Interior, qualificação e despovoamento: o paradoxo fatal?
Se nada for feito, retrocederemos décadas e chegaremos a uma situação em que o ensino secundário estará disponível apenas nas capitais de distrito e em poucas cidades ou vilas com maior densidade demográfica.
Uma criança que inicie o seu percurso escolar, em muitos dos concelhos do interior do país, tem uma certeza: para concluir a escolaridade obrigatória, terá de sair do seu concelho de residência, pois a escola do seu município não lhe assegura a frequência de qualquer oferta de ensino secundário ou outra alternativa com equivalente certificação.
Depois de anos de investimento por parte de si próprios, das suas famílias, das autarquias e de instituições locais, milhares de jovens, para exercerem o seu direito à Educação, têm de sair da sua terra. Muitos destes jovens optam pelas escolas das capitais dos seus distritos, onde a oferta de ensino secundário – sendo, ainda, diversificada – proporciona uma resposta mais completa para as suas vocações, interesses e projetos de vida. Alguns sairão de vez, arrastando, frequentemente, as respetivas famílias; outros limitar-se-ão a dormir nos seus concelhos. Em muitos concelhos portugueses é difícil encontrar um jovem entre os 15 e os 18 anos, durante o dia. Os que passam lá os dias, já não estão a estudar e encontram-se em abandono escolar.
O interior português – em que rareia a população jovem e qualificada e onde ela é mais necessária, para inverter o ciclo negativo da demografia, da economia e do futuro – vê sair, todos os anos, milhares de jovens de 15-16 anos, momento dramático em que ocorre um desligamento territorial e social com as suas origens. Estes jovens sabem ainda que, quanto maior e mais diferenciada for o nível de qualificação que atingirem, menor será a probabilidade de regressarem às suas terras. O despovoamento, jovem e qualificado, subtrai, ao interior, os seus membros com maiores capacidade de reposição demográfica e potencial económico. Perde-se tudo, depois de se ter investido tudo!
A realidade atrás descrita é um dos mais penalizadores paradoxos que se vivem no interior do país, um fator que compromete, irreversivelmente, o desenvolvimento e uma variável negativa na complexa equação da coesão territorial e social. Se nada for feito, retrocederemos décadas e chegaremos a uma situação em que o ensino secundário estará disponível apenas nas capitais de distrito e em poucas cidades ou vilas com maior densidade demográfica. Em poucos anos, a maioria dos concelhos do interior de Portugal não permitirá o exercício do Direito à Educação, ao nível do ensino secundário.
Chegados aqui, o que fazer? Há apenas uma alternativa: fazer alguma coisa e rapidamente. Nesse contexto, aqui deixamos algumas sugestões:
(i) Assumir o Princípio da Subsidiariedade através da devolução aos territórios das competências que as anteriores Direções Regionais de Educação tiveram no passado. Muitos dos estrangulamentos existentes decorrem do profundo e distante desconhecimento da realidade por parte de quem, atualmente, decide. O desenho da rede de qualificação, os critérios de funcionamento da oferta formativa, a alocação de recursos, a definição de soluções adaptadas às circunstâncias demográficas e territoriais e a gestão dos recursos físicos, humanos e financeiros são, entre outros, aspetos que as Direções-Gerais não têm tempo, capacidade nem sensibilidade para compreender e decidir adequadamente. Os territórios têm competência científica, técnica, humana e logística residente que tem sido desprezada e desvalorizada. Com os mesmos recursos financeiros, pode-se fazer melhor;
(ii) As políticas de qualificação devem estar articuladas entre si. Em cada contexto territorial a rede de qualificação deve resultar de um exercício racional e coerente, através do qual os promotores públicos de qualificação (Ministério da Educação, IEFP, ANQEP) se devem coordenar, de facto, disponibilizando oferta formativa, diversificada, complementar e de proximidade, em cada território. Neste exercício devem entrar também os operadores privados. Com os mesmos recursos, pode-se fazer mais e com melhores resultados;
(iii) As políticas públicas (nacionais e locais) de qualificação devem articular-se, em cada território, com as de emprego e de âmbito social. Na realidade, se queremos que os jovens portugueses se qualifiquem e optem por viver no interior (e atrair outros de outras origens), devem desenhar-se, de forma articulada, as políticas públicas com maior impacto nas suas decisões vitais e que têm a ver com trabalho, família, apoio social, desenvolvimento económico, cultura, entre outras;
(iv) À semelhança do que se fez quando, há décadas, a rede de ensino superior chegou a todas as capitais de distrito do país – política pública com impacto positivo na demografia qualificada do interior –, chegou o momento de instalar nos territórios de baixa densidade algumas instituições públicas que poderiam ser autênticas âncoras demográficas, económicas e sociais no interior do país. Com as acessibilidades e as infraestruturas tecnológicas disponíveis é indiferente, para o respetivo funcionamento, um Laboratório de Estado estar em Lisboa ou em Alandroal. Há uma pequena diferença: se Lisboa nem sentiria a perda dessa infraestrutura, o Alandroal sobreviveria com a instalação desse autêntico “Alqueva demográfico e económico”.