“Os lares funcionam como uma espécie de cuidados continuados de segunda categoria”

Utilização dos equipamentos destinados aos idosos diminuiu com a crise. A excepção foram os lares de idosos, para onde foram todos aqueles que “as famílias não conseguiam mesmo ter em casa”, aponta Manuel Lemos, da União das Misericórdias. Ministério divulgou Carta Social que traça o retrato dos equipamentos sociais.

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Enric Vives Rubio

Num país que se apresenta como dos mais envelhecidos da Europa, a taxa de cobertura dos equipamentos sociais de apoio aos idosos, como lares, centros de dia ou serviços de apoio domiciliário, não passa dos 12,9%, segundo a Carta Social, relatório publicado periodicamente pelo gabinete de estatísticas e Planeamento do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS). O mais recente traça o retrato do sector no final de 2016.

Apesar de flagrantemente escassos, a taxa de utilização dos equipamentos para idosos diminuiu em 2016 até pouco acima dos 76%. Contraditório? Nem por isso. “As dificuldades financeiras sentidas nos últimos anos pelas famílias poderão constituir um factor explicativo desta quebra”, admite o próprio MTSSS, em cujo documento se relativiza, ao mesmo tempo, este decréscimo da taxa de utilização com o argumento de que o mesmo fica também a dever-se ao aumento da oferta. Para o presidente da União das Misericórdias Portuguesas (UMP), Manuel Lemos, porém, é mesmo “uma questão de carteira”. “As pessoas ficaram sem dinheiro e, incapazes de suportarem a comparticipação que lhes cabe, prescindiram dos serviços de apoio aos seus idosos.”

Os lares destacam-se da restante oferta por serem os únicos a registar uma taxa de utilização de 92,4%. Porquê? Por um lado, entre os idosos tem aumentado — e muito — o peso dos que já passaram os 75 anos. Ou seja, tendencialmente mais dependentes, a exigir outro tipo de cuidados. O MTSSS aponta a este propósito um fenómeno de transferência da procura não só para os lares como, “eventualmente, para as unidades da Rede Nacional para os Cuidados Continuados Integrados [RNCCI]”.

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Um sinal disso é que, entre os utentes dos lares, 72% tinham 80 ou mais anos de idade. E Manuel Lemos ajuda aqui a compor o resto do retrato. “O perfil das pessoas institucionalizadas em lares mudou mil por cento! Só lá estão aqueles que as famílias não conseguem mesmo ter em casa, porque estão muito envelhecidos e muito dependentes. E só porque há muitos mais idosos nesta situação é que a taxa de utilização dos lares não baixou também”, sublinha. E, enquanto sentencia que “os lares hoje funcionam como uma espécie de unidades de cuidados continuados de 2.ª categoria”, o responsável da UMP, lembra: “Quando a RNCCI foi criada, em 2006, previa-se que dez anos depois houvesse 15 mil camas. Estamos em 2018 e estamos em pouco mais de oito mil camas.”

97% dos idosos em quartos

Outro dado elucidativo sobre a escassez da oferta de lares é que 60% dos utentes não eram originários do concelho em que se insere o equipamento onde estavam institucionalizados. “A proximidade da família ou até mesmo a urgência na entrada da resposta poderão constituir algumas explicações para esta situação”, admite o MTSSS.

Acresce que a esmagadora maioria da oferta existente (97%) continua a consistir em alojamento em quarto. A possibilidade de optar por residir em apartamento ou moradia não passa assim dos escassos 3%. Um cenário que importaria inverter, se considerarmos que 10% dos utentes dos lares registavam em 2016 uma estadia igual ou superior a dez anos. O problema é, mais uma vez, a falta de dinheiro, segundo Manuel Lemos. “Estas soluções exigem mais recursos humanos, o que faz subir brutalmente o custo médio por utente. Se houvesse dinheiro, esta seria a solução ideal para muitos idosos, mas, se nos lembrarmos que a comparticipação do Estado anda na ordem dos 275 euros, contra os mil euros pagos em Espanha, percebe-se que ficaria muito dispendioso para as famílias.”

No fim de 2016, a população com 65 ou mais anos de idade já representava 21% do total, com cerca de 150 idosos por cada 100 jovens com menos de 15 anos. E, entre as pessoas com 65 ou mais anos, 48,7% já tinham dobrado a fonteira dos 75 anos. “Porque não se pode transformar o país num imenso lar de idosos”, Lemos lembra que o envelhecimento tem que ser enfrentado em várias frentes, o que equivale a dizer que “tem que se tornar um problema político, além do problema social que já é”.

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A deficiente taxa de cobertura no apoio aos idosos subsiste, apesar dos investimentos dos últimos anos. Entre 2000 e 2016, entre lares, centros de dia e apoio domiciliário, a capacidade instalada aumentou em 73%, o que equivale a dizer que foram criadas 114.500 novas vagas nos diferentes tipos de equipamentos.

No fim de 2016, o MTSS contou 94.976 lugares, disseminados por um total de 2445 lares, e 109.950 nos serviços de apoio domiciliário, que privilegiam a manutenção dos idosos no seu meio habitual. Deste conjunto, cerca de 130 mil lugares eram comparticipados pelo Estado.

Metade dos centros de dia fecham ao fim-de-semana, sendo que os serviços de apoio domiciliário têm vindo a prolongar o seu funcionamento: no final de 2016, 68% funcionavam todos os dias da semana.

133 fecharam em 2017

Ainda segundo o ministério, entre 2015 e 2017, os serviços de fiscalização do Instituto de Segurança Social (ISS) propuseram a suspensão ou a cessação de 62 acordos de cooperação com equipamentos de diferentes tipos, na sequência de irregularidades detectadas nas 2867 acções de fiscalização efectuadas naqueles dois anos a instituições particulares de solidariedade social (IPSS). No último destes anos, e segundo o ISS, “foram emitidas ordens de encerramento a 133 estruturas residenciais para pessoas idosas, vulgo lares de idosos”.

Na Carta Social o que se lê é que quer o número de equipamentos novos, quer o número dos que encerraram registaram “um aumento significativo”. No primeiro caso, a explicação é a recuperação da economia, sendo que Porto, Lisboa, Setúbal e Aveiro concentraram quase 50% dos novos equipamentos sociais, metade dos quais dedicados aos idosos; no caso dos que fecharam, o MTSSS aponta o reforço da acção inspectiva como explicação. Nos mesmos dois anos, aliás, foram desencadeadas 23.215 acções de acompanhamento a IPSS, “a fim de verificar o modelo de funcionamento das respostas sociais e os serviços prestados”.

No retrato global do sector social, o MTSSS contabilizava, em 2016, mais de 11.500 equipamentos sociais, o que representou um aumento de 89% face ao ano 2000. Daqueles, 83% pertencem a entidades não-lucrativas. Ou seja, por cada cinco equipamentos da rede pública e solidária existia, em média, um lucrativo. 

No total, a oferta da rede social superava um milhão de lugares. A estes somar-se-ão, em breve, 4375 novas vagas, no âmbito das candidaturas já aprovadas ao Programa de Celebração ou Alargamento de Acordos de Cooperação para o Desenvolvimento de Respostas Sociais (Procoop), lançado em Junho. Destas, a que corresponde um investimento de 16,5 milhões de euros, “no início de Abril já tinham sido celebrados 80 acordos”, segundo o gabinete de Vieira da Silva, que referiu ainda as 60 novas candidaturas à criação de 2064 lugares para outras respostas de “tipo inovador”. Aqui, o investimento previsto é de 4,9 milhões de euros. O próximo Procoop abre em Julho. 

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