Governo acolhe estratégia para tornar Portugal um país “amigo dos idosos”
Num país em que os idosos já representam 20% da população, a estratégia nacional para o período 2017-2025 que é hoje entregue ao Governo propõe medidas que vão da entrada progressiva na reforma à criação de lojas móveis do cidadão idoso.
Da instituição de um exame de saúde obrigatório logo aos 65 anos à adaptação do sistema de triagem nas urgências hospitalares, passando pela promoção da entrada progressiva na reforma e pela adaptação da temporização dos semáforos aos mais velhos, o Governo recebe esta segunda-feira em mãos um vastíssimo leque de propostas que visam preparar o país para um cenário não muito distante em que mais de um terço da sua população terá 65 ou mais anos de idade.
A Estratégia Nacional para o Envelhecimento Activo e Saudável 2017-2025, que é hoje entregue ao secretário de Estado Adjunto e da Saúde, Fernando Araújo, levou mais de um ano a ser preparada. Numa altura em que as pessoas com 65 e mais anos de idade representam já 20% da população portuguesa, o documento propõe a abertura de várias frentes de combate ao isolamento, estigmatização e às dependências, económicas, físicas e mentais dos mais velhos.
“A promoção de um envelhecimento activo e saudável não se pode adiar. É urgente que o país se adapte a uma estrutura demográfica envelhecida porque o que está em causa é toda a sustentabilidade do sistema em que vivemos”, resume José Pereira Miguel, professor na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e coordenador do grupo de trabalho que, a partir de um despacho conjunto dos ministros da Saúde, Finanças, Adjunto e do Trabalho e Solidariedade Social, se pôs a estudar formas de garantir a sustentabilidade do país face a um duplo desafio: o que decorre do envelhecimento demográfico e o que resulta de as pessoas em Portugal estarem a viver mais tempo mas com pouca saúde.
O país tem de ser para velhos
Situemo-nos. Entre os consecutivos recordes negativos no número de nascimentos - que a ligeiríssima recuperação dos últimos dois anos está longe de conseguir inverter – e a emigração de jovens, Portugal é já o quarto país mais envelhecido da União Europeia (20,5% da população tem 65 ou mais anos de idade), ultrapassado apenas pela Grécia, Alemanha e Itália. Em 2015, os octogenários, por seu turno, já representavam 5,84% da população. Nas últimas projecções do Instituto Nacional de Estatística, no cenário mais moderadamente optimista (que ainda assim pressupõe uma recuperação do índice sintético de fecundidade para as 1,55 crianças por mulher em idade fértil - contra as actuais 1,36 - e o regresso a saldos migratórios positivos que se mantém negativo desde 2011) o país estará em 2080 reduzido a 7,5 milhões de residentes. Destes, 2,8 milhões terão 65 ou mais anos de idade. Haverá então 317 idosos por cada 100 jovens.
Tudo somado, chega-se ao prognóstico do país invertendo a declaração que dá título ao romance do norte-americano Cormac McCarthy e que dará qualquer coisa como “Este país terá de ser para velhos”. “Vamos ter que nos adaptar e isso implica dar passos arrojados. Esta estratégia não resolverá tudo mas é muito importante”, avisa José Pereira Miguel, dizendo-se esperançado que este não seja mais um documento para ficar esquecido numa gaveta e que, ao contrário, receba do Governo “o aval e os meios necessários” para levar à prática as suas propostas.
Enquadradas por quatro eixos fundamentais – que vão da saúde à participação, passando pela segurança e monitorização e investigação -, este “modelo orientador da intervenção” propõe-se “dar substância e coerência” à acção no domínio da promoção do envelhecimento activo e saudável, para que envelhecer deixe de significar estar mais exposto a riscos como o isolamento social e a solidão, a dependência física, mental e económica, a estigmatização, os abusos e a violência. Na saúde, e porque cerca de 23% da carga global da doença no mundo é atribuível às pessoas com 60 ou mais anos de idade e porque no caso português as pessoas vivem mais mas em pior estado de saúde, a estratégia aposta, sem surpresas, na promoção de hábitos de vida saudável, por forma a, como sublinha Pereira Miguel, prevenir “retrocessos em comportamentos como o consumo de tabaco e álcool e sedentarismo”.
Parece mais do mesmo, mas do que se trata aqui é de procurar ganhar em anos de vida saudável após os 65, sobretudo porque se soube, como o PÚBLICO noticiou em Março, que, contra todas as expectativas, os portugueses “perderam” cerca de três anos de esperança de vida saudável em 2014 face ao ano anterior.
Aos 65 anos, as mulheres podiam esperar viver em média apenas mais 6,5 anos sem incapacidades ou doenças, enquanto aos homens se perspectiva mais 6,9 anos nas mesmas condições. É um indicador em que Portugal faz muito má figura na fotografia da União Europeia (UE) a 28. E a não ser que o consiga melhorar será muito difícil ao país garantir o sucesso noutra das apostas desta estratégia: promover uma transição mais suave do trabalho para a reforma. “Esta transição não tem de ser feita em termos de tudo ou nada. A ideia é que haja transições em que a pessoa possa continuar a contribuir com um trabalho mais leve e estruturado de outra maneira. Que não seja passar do oito para o 80. Mas, claro, isso implica que as pessoas lá cheguem com saúde e energia”, nota o coordenador.
Avaliar estado de exaustão dos cuidadores
A criação de um programa de vigilância da saúde das pessoas idosas, que engloba avaliações regulares logo a partir dos 50 anos, a obrigatoriedade de um diagnóstico compreensivo aos 65 anos, o estabelecimento de um plano individual de cuidados que inclui um sistema de “bandeiras vermelhas” que alertem os profissionais para situações como o recurso frequente às urgências hospitalares, faltas sucessivas a consultas ou sinais de negligência ou maus tratos, são outras das medidas que se conjugam no capítulo da saúde.
A par disto, propõe-se um sistema de diferenciação positiva dos idosos nas urgências dos hospitais, a aposta no projecto Centros de Saúde Amigos das Pessoas Idosas, instituído pela Organização Mundial de Saúde em 2010, e a sinalização e a justificação dos casos de idosos que tomam mais de cinco medicamentos. “Esta adaptação dos serviços”, enquadra José Pereira Miguel, “é fundamental e tem de estender-se aos cuidados de toda a espécie e feitio”.
Quanto aos cuidadores dos idosos, e em consonância com a ideia de que é preciso apostar na domiciliação dos cuidados até porque “não se pode hospitalizar toda a gente, nem meter toda a gente em lares”, a estratégia prevê que lhes seja dada formação, sobretudo se se tratar de familiares não qualificados para o efeito, bem como fazer uma avaliação periódica do seu estado de saúde e exaustão.
Noutras frentes, o documento propõe integrar a temática da valorização da pessoa idosa nos programas e metas curriculares, apoiar o desenvolvimento de universidades sénior e desenvolver o Erasmus Sénior, programa que, à semelhança dos estudantes do ensino superior, visa promover o intercâmbio no espaço europeu dos idosos que frequentem a universidade.
A criação, a nível municipal ou de freguesia, de lojas móveis do cidadão idoso e de gabinetes de apoio ao idoso nas câmaras ou juntas das freguesias integram também o leque de propostas a submeter à aprovação do Governo para, como conclui José Miguel Pereira, Portugal se torne num bom país para viver “não apenas para os estrangeiros que chegam com boas reformas mas para quem ‘moureja’ por cá e luta para sobreviver por cá”.
Propostas da Estratégia Nacional para o Envelhecimento Activo e Saudável 2017-2025
Saúde
- Promover acções dirigidas ao auto-cuidado, à vigilância da saúde, à vacinação, aos rastreios, aos exames médicos, adesão ao plano terapêutico e a outros cuidados de saúde
- Criar um programa de vigilância da saúde das pessoas idosas que institua o registo da avaliação das funcionalidades e que compreenda a realização de avaliações regulares com vista à detecção precoce de défices funcionais, défices psíquicos ou doenças crónicas logo a partir dos 50 anos de idade
- Instituir diagnóstico compreensivo obrigatório aos 65 anos
- Estabelecer um Plano Individual de Cuidados (PIC) como instrumento de intervenção integrada em todos os idosos com várias patologias e que inclua um sistema de “bandeiras vermelhas” que sirvam de alerta sempre que, por exemplo, haja um recurso frequente às urgências, faltas sucessivas a consultas ou sinais de negligência ou maus-tratos
- Referenciar a pessoa responsável pelos cuidados ao idoso. Nos casos em que seja necessário, aquela deve receber formação para os cuidados a dar e o seu estado geral de saúde e o nível de exaustão devem ser avaliados periodicamente
- Definir uma estratégia de combate à polimedicação tornando-a de justificação obrigatória quando inclua mais de cinco medicamentos
- Adaptar a triagem nas urgências hospitalares aos idosos, criando um sistema de diferenciação positiva
- Generalização do projecto Centro de Saúde Amigo das Pessoas Idosas
- Criar unidades de agudos para doentes idosos e equipas multidisciplinares capazes de dar uma resposta integrada aos doentes idosos
Educação e participação
- Investir na formação e educação sobre o envelhecimento em todos os graus de ensino, integrando nos programas e metas curriculares a valorização da pessoa idosa
- Incentivar a investigação académica na área do envelhecimento
- Alertar as instituições do ensino superior para as necessidades de adequação dos planos curriculares às características populacionais emergentes
- Apoiar o desenvolvimento de universidades seniores e desenvolver o Erasmus Senior que promova intercâmbios no espaço europeu dos idosos que frequentem a universidade
- Acordar com empresas de entretenimento produtoras de programas de grande audiência a inserção de mensagens promotoras da literacia em saúde
- Combater o idadismo (discriminação em razão da idade) através de campanhas que promovam aspectos positivos do envelhecimento e identifiquem os contributos dos idosos para a sociedade
- Promover a transição progressiva para a reforma e incentivar a criação de estruturas ou recursos que sejam agentes facilitadores desta mudança
- Criar, organizar e divulgar redes de prestação de cuidados prestados ao domicílio e em ambulatório e apoiar nas necessidades pontuais de manutenção do conforto no domicílio das pessoas idosas
- Criar ambientes de suporte físico e social nos bairros, permitindo a permanência das pessoas idosas em suas casas e comunidades o maior tempo possível
- Desenvolver sistemas de monitorização que permitam o “ageing in place” com qualidade e segurança
- Cumprir a lei no que concerne à eliminação de barreiras arquitectónicas
- Preparar zonas pedonais que facilitem a deslocação de pessoas a pé ou em cadeira de rodas
- Criar Loja Móvel do Cidadão Idoso e gabinetes de apoio ao idoso nas autarquias ou juntas de freguesia
Segurança
- Avaliação sistemática em todas as pessoas idosas de sinais de violência pelo menos uma vez por ano, nos centros de saúde
- Generalizar a circulação de autocarros com piso rebaixado e formar os condutores para o transporte de pessoas idosas
- Semaforização com temporização adequada aos idosos