Coesão e incoesão

Algo vai mal em Portugal na relação do Estado com os que criam, produzem e difundem.

A montanha sentou-se sobre o teatro – artes performativas, visuais e cruzamentos interdisciplinares. É uma réplica da montanha que há muitos anos está pousada sobre o cinema. Uma montanha de irracionalidade, injustiça e peso processual que é um telhado mal-amanhado em lugar de ser a fundação de uma criatividade e produção sustentadas. E ainda bem que isto aconteceu – que me perdoem, se possível, os muitos que com isto injustamente sofrem –, porque agora os portugueses e os que connosco cá vivem ficaram a saber que algo vai mal em Portugal na relação do Estado com os que criam, produzem e difundem; e porque dada a dimensão deste protesto talvez nasça também a noção nacional de que a maioria dos criadores e produtores em Portugal são os primeiros precários e, simultaneamente, financiadores desta representação física do pensamento a que se convencionou chamar arte. E, no entanto, isto é o que há muitos anos acontece no cinema feito por nós, sufocado por esta montanha de exageros e maus procedimentos.

Mas há uma diferença entre os dois sectores, cinema e artes, que nos últimos dias se tornou devastadoramente óbvia: no cinema guerreamo-nos e vale quase tudo, nas restantes artes, ensaísticas e industriais, todos aparentam estar em sintonia e transmitem a mesma ideia de revolta e direitos por formas diversas, e autorais. É a distinção entre o grupo desconexo do cinema e a coesão nas artes. E isto faz toda a diferença, que anseio por que os meus colegas percebam.

Para todos os efeitos e para quem ainda olhe de soslaio esta problemática, que é uma mancha brutal no trabalho deste Governo, retenha-se que tendo nós, portugueses, ascendido em 44 anos ao primeiro plano das nações insistimos, no entanto e na visão do Estado para a Cultura, em remetermo-nos sistematicamente para o confrangimento da divergência brutal com os programas políticos e resultados da esmagadora maioria das outras nações da União Europeia.

Não vejo porque em Portugal o Estado nunca tenha conseguido perceber a lógica e o enorme potencial da criação e produção cultural. Mas continuo a ver as consequências dessa incapacidade todos os dias. De tal forma que no caso do cinema o Estado não só não o apoia com um cêntimo como toma parte dos fundos destinados a financiá-lo para sustentar os seus próprios encargos; conseguindo assim aproximar o que a lei estabelece como taxa financiadora do cinema em imposto. Mais brutal e irregular é quase impossível.

E por que é que o Estado ainda o faz? Porque nós, cineastas, deixamos.

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