Um arquipélago entre o real e o onírico
Três perguntas a João Ferreira, a propósito da inauguração da exposição Arquipélago (Ala do Jardim, Museu da Ciência, entre 17 de Abril e 30 de Maio), incluída no Prémio Estação Imagem 2018 Coimbra.
Arquipélago, reconhecido com vários prémios, tem sido mostrado com regularidade desde 2015. Há alguma abordagem nova na selecção de imagens para a exposição de Coimbra?
Desde a apresentação em Leiria em 2015, este Arquipélago tem crescido e ganhou novas “ilhas”, com outra incursão a Cabo Verde, para procurar um lado mais profundo/intimista do quotidiano deste país. A leitura de portfólio que tive com o editor Olivier Laurent da revista Time, no [festival] Visa Pour l’Image em Perpignan e a selecção para os Encontros da Imagem de Braga, ambos em 2016, resultaram numa troca de experiências importantes. Aí tive a oportunidade de ouvir a opinião de pessoas com uma cultura fotográfica extremamente rica e díspar. No seguimento dessas conversas consegui distanciar-me das primeiras fotografias deste ensaio e de perceber, por exemplo, que estavam demasiado focadas no exterior. Após os Encontros decidi fazer uma nova viagem a Cabo Verde para tentar sair da minha zona de conforto, procurando entrar na casa e no quotidiano das ilhas. Algumas dessas novas fotografias, em conjunto com as realizadas anteriormente, foram incluídas na selecção que fiz para apresentar a candidatura ao prémio Estação Imagem de 2017 e que serão mostradas agora.
Este ensaio tem sido descrito como uma abordagem humanista que procura captar instantes reveladores daquilo a que comummente se chama “país real”?. Parece-lhe acertada esta descrição?
Os projectos que apresento são desenvolvidos de uma forma crua, sem recurso a artifícios e muito focados nas pessoas. Daí talvez a descrição destas fotografias como tendo uma abordagem humanista. Obviamente, não consigo dissociar todas as minhas vivências e acabo por incluir um lado poético e um pouco clássico nessa visão, que acaba por ser projectada nos trabalhos. Não quis fugir das situações que mostram um país carente e onde se vive com dificuldades, mas percebi que queria construir uma narrativa que incluísse uma perspectiva um tanto onírica, respeitando ao mesmo tempo a realidade de quem habita naquele território.
Arquipélago é um capítulo fechado? Que trabalhos o ocupam agora?
Diria antes que Arquipélago é para já um trabalho em período de maturação. Tinha interesse em continuar a explorar a abordagem mais intimista que desenvolvi na última viagem àquelas ilhas. No entanto, tenho um outro trabalho que iniciei em 2016 e que aborda um ritual secular da ilha de S. Miguel, nos Açores. É um ritual de recolhimento, que tem origem no século XVI e que procura a reconciliação do homem com a natureza através de preces pelo fim das erupções vulcânicas e dos movimentos sísmicos. Quando comecei a trabalhar neste projecto, acompanhei pontualmente vários grupos de romeiros durante uma semana. O ano passado programei a minha estadia em S. Miguel, para me começar a focar principalmente no rancho de Rabo de Peixe, que tem sido o maior grupo, com cerca de 150 homens. Também fiz algumas fotografias a um outro grupo, de Lombinha da Maia, este bastante mais pequeno, com cerca de 30 homens. Já este ano, no final de Março, estive em S. Miguel para acompanhar durante oito dias os romeiros de Rabo de Peixe, na caminhada pela ilha. É um trabalho que será apresentado no dia 20 de Setembro n’A Pequena Galeria, em Lisboa, e, no início do próximo ano, no Mira Fórum, no Porto.