A página Black Lives Matter com mais seguidores no Facebook afinal é falsa

Esquema terá sido utilizado por um grupo de australianos que usava a página para recolher dinheiro em nome da associação para proveito pessoal.

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O movimento nasceu na luta pela defesa dos direitos norte-americanos, mas tem o nome sido usado por terceiros Reuters/BEN BREWER

A página do movimento Black Lives Matter (“As vidas dos negros importam”) com mais gostos no Facebook é falsa. Durante pelo menos um ano, a página falsa usou o movimento para recolher donativos indevidamente para seu proveito pessoal. A página, com cerca de 700 mil gostos, contava com mais do dobro dos seguidores da verdadeira página do movimento de defesa de direitos humanos. Responsável pela gestão da página — e pela usurpação do movimento para aproveitamento financeiro — estava um grupo de homens caucasianos a viver na Austrália, conta uma reportagem da CNN.

Na página era possível comprar t-shirts e canecas, por exemplo, cujas receitas reverteriam, supostamente, para o movimento de defesa de direitos humanos. Associadas à página decorriam várias campanhas de angariação de fundos, que foram entretanto suspensas pela PayPal, a empresa de serviço de pagamentos online, e Patreon, uma plataforma de recolha de donativos. O mesmo fizeram duas outras plataformas associadas à página. De acordo com uma fonte ligada à investigação do caso, a falsa página terá recolhido pelo menos 100 mil dólares (81 mil euros).

Patrisse Cullors, uma das co-fundadoras da verdadeira página do movimento Black Lives Matter, conta à CNN que o perfil fraudulento (que não é um caso isolado) já tinha sido denunciado ao Facebook há vários meses, mas até agora a empresa não tinha tomado qualquer atitude. Num comunicado publicado no site do movimento (o verdadeiro), a organização conta que desde a sua criação que tem lidado “regularmente” com a apropriação do nome do movimento, o que tem “comprometido o trabalho a nível local, nacional e global”.

“Vivemos num mundo digital e é extremamente importante que plataformas como o Facebook e o Twitter façam o seu trabalho para que os apoiantes do nosso movimento, e de movimentos como o nosso, não sejam enganados e os recursos não sejam desviados”, lê-se no comunicado da organização, que nasceu das tensões raciais nos Estados Unidos, sentidas especialmente no tratamento de afro-americanos por parte de agentes da polícia de várias zonas do país. 

No Twitter, a página oficial do movimento identifica uma das contas falsas e apela aos responsáveis pela rede social que a eliminem. Esta quarta-feira a página continuava activa.

De acordo com a CNN, Ian Mackay é um dos nomes que aparece relacionado com a falsa página. Mackay, funcionário da União de Trabalhadores australianos, terá entretanto sido suspenso do seu cargo enquanto a sua ligação ao esquema é investigado. Mackay estava ainda ligado a outras “dezenas de sites, muitos deles relacionados com os direitos de negros”, para os quais a página de Facebook enviava os seguidores.

A descoberta surge numa altura em que a rede social está a tentar conter as consequências da revelação de que dados de pelo menos 87 milhões de utilizadores do Facebook foram utilizados sem autorização pela consultora Cambridge Analytica para campanhas políticas em vários países. Com a informação recolhida pela consultora através dos perfis das contas de Facebook, as partes interessadas puderam construir as suas campanhas com base nos interesses pessoais de cada utilizador, tendo em conta os seus receios e gostos. Os dados recolhidos terão favorecido a campanha eleitoral de Donald Trump, nos EUA, e interferido ainda nos resultados das eleições na Nigéria e no Quénia e no referendo sobre o “Brexit”. Em Portugal, o número de pessoas afectadas rondará os 63 mil.

Esta nova descoberta gera preocupações acerca da integridade do Facebook, que liga dois mil milhões de pessoas em todo o mundo, e do conteúdo nele existente. Conta a CNN que o Facebook demorou uma semana a suspender a página após a denúncia do canal televisivo ter sido feita directamente à empresa. E foi só depois disso que a empresa de Mark Zuckerberg decidiu suspender o perfil do administrador da página.

Aliás, mesmo depois de confirmar que se tratava de uma página falsa e de a ter decidido suspender, o Facebook não a eliminou. Terá sido eliminada por um dos administradores da falsa página depois de ter sido contactado pela CNN.

“Lamentamos que tantas pessoas sejam enganadas e levadas a crer que os seus donativos nos estão a beneficiar”, lamenta a organização. “Infelizmente as nossas denúncias [ao Facebook e Twitter] não receberam uma resposta adequada. Estamos aliviados por alguns destes perfis terem sido removidos e esperemos que as plataformas das redes sociais adoptem protocolos que evitem que isto aconteça novamente”, conclui a Black Lives Matter.

A tensão racial continua actual nos EUA. Com frequência surgem notícias de afro-americanos mortos por agentes da polícia, como é o caso de Stephon Clark, cuja autópsia revelou que tinha sido baleado oito vezes pelas costas, quando a polícia afirmava ter disparado em legítima defesa porque o afro-americano de 22 anos, estaria a apontar uma arma na direcção dos agentes. Clark estava no quintal da avó quando foi baleado. Na mão tinha apenas um telemóvel.

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