Esta exposição não o deixará mais feliz (mas ajuda): The Happy Show de Stefan Sagmeister vem morrer a Lisboa

Dez anos de investigação, um filme e uma exposição itinerante depois, o designer das capas dos Rolling Stones e da Casa da Música vai despedir-se em Portugal da sua pesquisa sobre a sua – e a nossa – felicidade. A partir de quinta-feira, no MAAT.

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NUNO FERREIRA SANTOS

The Happy Show, uma exposição que é uma investigação pessoal sobre um tema universal, chega esta semana a Lisboa para enfrentar, depois de uma longa vida, a sua morte. O Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia (MAAT) será a última paragem da solar exposição de Stefan Sagmeister, e também a cidade onde o carismático autor de capas de discos famosas vai tornar-se no homem que criou a exposição de design mais popular de sempre – provavelmente.

“Acho que atingiremos meio milhão [de visitantes] em Portugal”, diz Sagmeister ao PÚBLICO, sobre The Happy Show, a exposição que também é um filme – The Happy Film – e foi uma série de 150 palestras sobre a felicidade. Tudo começou com elas, evoluindo depois para o filme e finalmente para a exposição que se estreou no Institute of Contemporary Art de Filadélfia, em 2012, e já passou pelo Museu de Arte Contemporânea de Los Angeles, pelo Museu de Artes Aplicadas de Viena e por muitas outras instituições. Chega agora, nesta finisterra que um dos mais importantes designers de comunicação da actualidade já conhece bem, o momento de lhe pôr fim. Mas lá iremos.

Stefan Sagmeister lançou-se numa viagem de auto-conhecimento sobre a felicidade (a sua) e quer falar com os visitantes sobre como foi fazer meditação, ter aulas de budismo e tomar uma espécie de Prozac. Ou quer simplesmente medir o nosso grau de felicidade. Para esse efeito, o seu método científico é ver que tubo numerado de 1 a 10 e cheio de pastilhas elásticas amarelas fica mais vazio conforme o visitante está em melhores ou piores condições. Até os caixotes onde chegam os materiais para a montagem que o PÚBLICO acompanhou brevemente são amarelo-Sagmeister, a cor que abre a exposição. 

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“Quando estudava tinha uma cozinha amarela com muita luz durante a manhã, era uma boa escolha”, explica, acabado de escrever uma das muitas histórias, máximas ou anedotas que preenchem as paredes do MAAT. “Geralmente as definições aborrecem-me”, anuncia o designer nas paredes, saindo de trás de um caixote para explicar como o amarelo “é uma necessidade neste museu, que tem diferentes entradas", o que não permite controlar "como é o que o visitante vê a exposição". "É uma forma de iluminação intuitiva.” 

Presença regular na ExperimentaDesign, o austríaco que vive há décadas em Nova Iorque nunca perdeu a abrasão da língua alemã no sotaque. É sempre associado aos seus trabalhos mais pop. As capas de Bridges to Babylon dos Rolling Stones, de Feelings de David Byrne, de Nine Lives dos Aerosmith, da antologia dos Talking Heads e os vários posters à medida de Lou Reed. Para os portugueses, a associação é com o Porto: a identidade gráfica da Casa da Música é sua, como é sua a do Jewish Museum de Nova Iorque ou como são suas as letras que rasgou na própria pele para um cartaz de uma palestra em 1999.

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Ou as que estão garatujadas no corrimão da Central Tejo, sobre drogas, ou as intervenções nos WC do MAAT. The  Happy Show expande-se, muda de cidade para cidade (em Viena, a frase “Toda a gente acha sempre que tem razão”, uma das constatações que escreve para nos relativizar, estava com dois macacos insufláveis; em Lisboa talvez seja vizinha de um homem e de um elefante). São desenhos de um designer que alia o seu olho clínico à observação e filosofia solta sobre o mundo, é o Sagmeister Show.

Visitantes gratos

“Por que é que alguém deve acreditar no que um designer diz sobre a felicidade? Não estudei psicologia, não fiz muita da pesquisa que mostramos”, admite Sagmeister ao PÚBLICO. “A solução é falar da minha própria felicidade. Tal como os psicólogos, escolho as coisas que encaixam no meu argumento e ignoro as outras. [Essa abordagem] é muito popular”, ri-se. Do muito que leu, sentiu-se sempre mais próximo dos especialistas que falavam das suas próprias vidas. Mas em The Happy Show também nos dá estatísticas, o ocasional gráfico e algumas experiências. Como aquela em que o som faz mover a água em bases que são letras, formando uma mensagem. Ou como a bicicleta que, ao centro de uma sala encabeçada por um néon com várias mensagens, vai iluminando conclusões a que chegou e que o estabilizam: “Fazer de facto as coisas a que me proponho fazer aumenta o meu nível geral de satisfação.”

A fronteira entre a arte e o design é sacudida com vídeos, escultura e fotografia, cerca de 25 peças que querem contrariar uma frustração. “Um dos motivos pelos quais [The Happy Show] gera tanto interesse é porque as pessoas hoje vão a um museu com a expectativa oculta de que não perceberão muito do que lá está. Desse ponto de vista, estes visitantes já estão muito gratos.” Em Filadélfia, disseram-lhe, “o visitante médio da exposição passava seis vezes mais tempo no museu do que o normal”.

À entrada é feito o aviso: “Esta exposição não o deixará mais feliz”. Mas Sagmeister e a sua sócia, a designer Jessica Walsh, que assina a direcção de arte, recebem “centenas de cartas de pessoas que mudaram as suas vidas" depois de verem The Happy Show. "Uma mulher que trabalhava como assistente executiva na Alemanha e que aos 55 anos decidiu despedir-se e mudar-se para Paris. O rapaz de 12 anos que finalmente ganhou coragem para beijar a rapariga por quem tinha um fraquinho. No fim de contas, a diferença entre a arte e o design é que o design tem de fazer algo. Claro que não é só função. Mas a arte tem o luxo de poder simplesmente ser."

E a função desta exposição é "começar um debate sobre algumas das maiores questões da vida”.

Crime e design

Vivemos num mundo em que as Nações Unidas têm um Relatório da Felicidade e em que existe o Global Emotions Report, que quis atestar como nos sentimos em 142 países (em 2015, Portugal estava entre os dez países em que mais pessoas tinham tido uma experiência negativa nas 24 horas anteriores ao inquérito), num mundo em que o mindfulness, a indústria do bem-estar ou a auto-ajuda são uma tendência. Ou seja: um tema, mas também um mercado. Como é que o design trabalha para o tema da felicidade e como é que Stefan Sagmeister trabalhou para a sua?

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“Tudo o que nos rodeia foi desenhado. A maior parte das pessoas acha que Paris é a sua cidade preferida; Lisboa também está muito lá em cima [na lista]. Pittsburgh não. Há razões pelas quais as pessoas são atraídas por um bom espaço – ele influencia quão bem nos sentimos e quão bem nos comportamos. E isto é comprovável: o parque High Line, em Nova Iorque, está aberto há seis anos e nunca lá houve um crime. Zero. E tem dez milhões de visitantes por ano.” É um happy place, o que Sagmeister atribui ao “amor e carinho com que foi desenhado”.

Happy Show, acredita, é “o projecto de design de comunicação supremo, porque há poucos temas maiores no mundo do que a felicidade, a não ser talvez deus”. Está satisfeito, entre caixotes e projectores desirmanados num dia de chuva frente ao Tejo, por ter embarcado neste projecto, ao qual se seguirá outro, sobre a beleza, já no Outono. “Também faço trabalho comercial no meu atelier – embalagens, branding… acho que vender é parte da acção humana e não acho que seja moralmente terrível. Mas às vezes é bom fazer um projecto só a partir de um interesse porque isso me força a entrevistar cientistas, a aprofundar. O papel de um designer de comunicação é pegar numa coisa grande e em distorção e torná-la comunicável.”

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Amor e outras drogas

The Happy Show é uma viagem à mente do designer austríaco, mas também um festim tipográfico, com os diferentes tipos de letra a debitarem regras de vida não só partindo da sua experiência, mas também dos trabalhos de psicólogos como Daniel Gilbert e Steven Pinker ou antropólogos como Donald Symons. “Entre as coisas banais que aprendi está que 15 minutos de exercício de manhã fazem mais diferença do que meia hora de meditação”, sugere. Mas "obter respostas sólidas para as perguntas foi surpreendentemente difícil": a vida real de Sagmeister decorria ao mesmo tempo e não podia deixar de influenciar The  Happy Show. Exemplifica: estava a fazer uma experiência com Lexapro, um antidepressivo que funciona como inibidor selectivo da recaptação de serotonina, quando encontrou um amor avassalador, o que o fez questionar-se se era de facto amor ou outras drogas. “Primeiro pensei que não podia ser o medicamento porque ela também estava muito apaixonada e não estava a tomar nada. Depois, quando a relação falhou, pensei que devia ser do medicamento”, ri-se.

Stefan Sagmeister tem quase 50 anos e pára um ano em cada sete para se dedicar ao que quer. Acaba de sair da sua mais recente sabática: “Quatro meses na Cidade do México, quatro meses em Tóquio e quatro meses numa pequena aldeia nos Alpes austríacos. A única regra é que não faço nada para clientes, nem beneficência. Nada vindo do exterior.” O que faz então nestas licenças? “Trabalho muito, porque é o que gosto de fazer, mas se preferisse gozar um ano na praia também podia fazê-lo. Nas três sabáticas que fiz, logo no primeiro dia estava a pé às 7h.”

The Happy Show não dá só pastilhas – oferece uma receita particular para a busca dessa coisa tão vaga que é a felicidade. Mas apesar de tantos clientes satisfeitos, Stefan Sagmeister e Jessica Walsh vão tratar de outro tema universalmente discordante: “Depois de ter prometido a mim mesmo que não faria nada sobre um grande tema, voltei a escolher um grande tema. Vamos tentar mostrar que a beleza não é uma coisa superficial que pode ser substituída pela função; que ela muda a forma como nos sentimos e nos comportamos e que está na altura de o design e a arquitectura a levarem a sério outra vez.” Entretanto, o fim do projecto Happy é encarado com tranquilidade: “Foi um mundo de dez anos e está na altura de limpar o palato.”

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