O fogo empreendedor que temos de alimentar
Todos os empreendedores de startups estão a lidar com o impossível, partindo do nada para o tudo em meia dúzia de anos, e é perfeitamente aceitável não criar um sucesso gigante. Falhar é bom. Sim, Pedro, falhar é de facto uma coisa boa, não má — se se lidar com isso correctamente.
Pedro Manuel Costa escreveu um artigo de opinião no jornal PÚBLICO sobre os “pés de barro” do Ecossistema de Startups Português, numa reacção à queda da empresa Chic by Choice. Sendo responsável pela Startup Portugal, juntamente com João Borga e o resto da equipa da Rede Nacional de Incubadoras (RNI) — um dos pilares da Iniciativa Nacional de Apoio ao Empreendedorismo Startup Portugal —, sinto-me inclinado a comentar.
Primeiro, permitam-me comentar o caso Chic by Choice: Forbes, por favor façam a devida investigação se querem que o vosso “não-sei-quantos abaixo dos não-sei-quantos” seja levado a sério. E, por favor, empreendedores de todas as nacionalidades, cores, credos, géneros e idades, levem o falhanço a sério, enfrentem-no de forma proactiva para que vocês e outros possam aprender com ele. Todos os empreendedores de startups estão a lidar com o impossível, partindo do nada para o tudo em meia dúzia de anos, e é perfeitamente aceitável não criar um sucesso gigante. Falhar é bom. Sim, Pedro, falhar é de facto uma coisa boa, não má — se se lidar com isso correctamente.
Como é que falhar pode ser bom? Óbvio que nem todo o falhanço é positivo. Da mesma forma que os êxitos podem corromper uma pessoa, também o falhanço o pode fazer, principalmente se não houver uma disposição para aprender com ele. A lição essencial a tirar de cada erro tem de ser o “porque aconteceu?” e o “o que poderíamos ter feito melhor?”. Este processo inclui investidores, founders e todos os funcionários de cada empresa, nova ou velha. É quando isto acontece que o falhanço é bom; é quando isto se dá que se pode, e deve, abraçar o falhanço e avançar. Já percorremos um longo caminho, desde uma sociedade que castigava cada falhanço (classificação de crédito, lei da insolvência, os nossos pais a dizerem-nos que não valemos o que investiram na nossa educação, etc.) até uma cultura de startup, em que se cria espaço para aceitar o falhanço como uma necessidade para se chegar ao sucesso. Não surpreendentemente, isto é mais visível nos ecossistemas de startups mais bem-sucedidos do mundo, e menos visível nos menos bem-sucedidos. Portanto, Pedro, eu diria que da mesma forma que nem todo o falhanço é mau, também não é verdade que todo o falhanço é bom, mas toda a discussão em torno da Chic by Choice deveria levar um ponto final e toda a gente deveria continuar com as suas vidas.
Mas, ainda mais importante no seu artigo de opinião foi um comentário sobre as Aceleradoras e Incubadoras, em que as colocou (pelo menos muitas delas) no campo do falhanço iminente — e eu não poderia estar mais em desacordo. Pedro Manuel Costa responsabilizou a Startup Portugal e RNI por estarem politicamente inclinadas a criar volume em vez de qualidade, e que um certo nível de qualidade deveria ser procurado no que diz respeito à aceleração e incubação. E concordo que devemos procurar e lutar por qualidade. Concordo que devemos usar os melhores como referência, concordo que toda a gente no ecossistema de startups, que é uma viagem pelo desconhecido, se deve desafiar constantemente para fazer sempre o melhor que consegue.
Mas discordo totalmente no que ao número diz respeito. Somente o número, a sua exposição ao empreendedorismo, e a pura quantidade de empresas e startups criadas são o que fazem toda a diferença. Porque as probabilidades estão contra nós: são nove para um contra o empreendedor, uma vez que a norma ainda válida nos diz que apenas uma em dez startups tem êxito. Um grande “viva” para os que se aventuram e se atrevem a tentar.
Discordo, também, do equívoco recorrente de que quando o sucesso de uma startup se atinge quase cria a próxima Google, ou Facebook. Eu próprio investi em mais de 50 startups durante os últimos sete anos, e eu próprio cometi o erro de esperar que os fundadores criassem um negócio gigante e escalável a nível global que valesse números astronómicos. Isso não é, contudo, aquilo em que acredito agora. Vejo muitas empresas que criam negócios valiosos, que pagam salários a muitos funcionários. Vi muitas empresas (a maioria delas, aliás, e conforme argumentado em cima) que falharam, mas todas elas têm algo em comum: os que participaram na jornada aprenderam, de facto, a fazer uso dos “ossos do ofício”, desde fazer marketing de redes sociais, a pitches e a reuniões rápidas. Toda a gente em todas as empresas que tiveram investidores e saltaram para a carruagem das startups atreveu-se a competir com os melhores do mundo, enfrentando probabilidades impossíveis. Bem-sucedidos ou não, toda a gente participou na criação de uma classe de trabalhadores compatível com os dias de amanhã, compatível com o futuro (e os investidores sabem disto, e é por isso que fazem parte do negócio como alguém que providencia “capital de risco”).
E é precisamente disso que Portugal precisa, é disso que todos os países precisam: de trabalhadores compatíveis com o futuro, de talento, de pessoas que consigam competir com os melhores à escala global. Porque nenhum negócio no futuro, grande, pequeno, novo, ou velho, será bem-sucedido sem conhecer as regras do jogo, sem talento orientado para tendências globais e diversificado; sem as pessoas que o fazem; sem fazedores.
É exactamente isto que as incubadoras trazem para o tabuleiro: como disse, e bem, o Pedro, as universidades e escolas não conseguem acompanhar o ritmo da mudança deste mundo tecnológico, nem têm as ferramentas necessárias para competir com isso; as Aceleradoras e as Incubadoras, por outro lado, conseguem. E isto é especialmente verdade em partes de Portugal onde o acesso e exposição ao empreendedorismo é menos provável de acontecer; fora de Lisboa, Porto, Coimbra, Braga e Leiria, onde as startups são poucas e longínquas. Assim sendo, temos de pensar nas Aceleradoras e nas Incubadoras como uma forma de educação moderna em empreendedorismo a nível nacional, numa sociedade conectada em rede e em que as ferramentas que se usam mudam todos os dias. E temos de lidar com as expectativas contra a norma do “uma em cada dez”.
Neste ambiente difícil, temos mesmo de alimentar este fogo (e não fogacho) empreendedor. Temos de criar mais empresas, criar mais falhanços, e com estes números aqueles poucos que são bem-sucedidos. Porque os números mostram-nos que as probabilidades estão contra toda a gente que tenta, e o volume resolve esse problema.
Na Startup Portugal, nós sabemos isto e acreditamos que é isso que o Governo português está a fazer excepcionalmente bem. Há um entusiasmo em volta das startups, da tecnologia e do empreendedorismo que tomou Portugal e de que toda a Europa, se não o mundo inteiro, já ouviu falar, que cria volume, quantidade. E onde há volume, como explanei acima, há mais falhanço do que êxito. Temos, apenas, de garantir que aprendemos com cada erro e avançar, sempre, em direcção a uma sociedade compatível com o futuro.