Fundadora da Theranos é formalmente acusada de defraudar investidores em 700 milhões de dólares

O supostamente revolucionário sistema de análises de sangue nunca teve os resultados esperados, e a empresa recorreu a testes comercializados pelos seus concorrentes. Elizabeth Holmes, que chegou a ser descrita como "a próxima Steve Jobs", caiu em desgraça.

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Elizabeth Holmes, fundadora da Theranos Reuters/Brendan McDermid

Elizabeth Holmes, fundadora da start-up de análises clínicas Theranos, foi esta quarta-feira formalmente acusada de defraudar investidores em 700 milhões de dólares entre 2013 e 2015. A Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC, na sigla inglesa) concluiu que Holmes e a sua empresa enganaram os investidores, fazendo-os crer que a tecnologia de análise de sangue oferecida pela Theranos era inovadora e revolucionária — algo que se revelou falso. A fundadora vai ser afastada da direcção da empresa e vai pagar para já uma multa de 500 mil dólares.

“Na realidade, descobrimos que, depois de anos de desenvolvimento, a Theranos foi apenas capaz de processar um pequeno número de análises sanguíneas com o seu próprio dispositivo, recorrendo antes a dispositivos já existentes no mercado, feitos por outras empresas, para realizar análises aos seus pacientes”, disse Steven Peikin, co-director da SEC, à ABC News.

O regulador norte-americano olha para o caso como uma “lição importante para Silicon Valley”. “Os inovadores que tentarem revolucionar uma indústria devem dizer a verdade aos investidores sobre o que é que a sua tecnologia pode mesmo fazer hoje — e não aquilo que esperam que possa vir a fazer algum dia”, disse Jina Choi, directora da filial do regulador em São Francisco, citada pela BBC.

Para além do pagamento da multa de 500 mil dólares, Holmes vai ser obrigada a devolver 18,9 milhões de dólares em acções da empresa, arrecadadas ao longo de vários anos, perdendo direito de voto na Theranos. Fica ainda impedida de aceder a cargos de administração durante dez anos.  

As acusações de fraude abrangem ainda o ex-presidente da empresa, Ramesh Balwani. De acordo com a SEC, Balwani e Holmes basearam-se em informações falsas para vender acções da empresa – nomeadamente que o sistema Edison, supostamente desenvolvido pela Theranos, que prometia testar cerca de 30 doenças de formas rápida com apenas algumas gostas de sangue, tinha sido usado pelo Departamento de Defesa dos EUA durante a guerra no Afeganistão. Outra das informações falsas utilizadas era a de que a empresa teria gerado mais de 100 milhões de dólares em receitas em 2014 – na verdade, foram apenas 100 mil. 

De acordo com o Guardian, Holmes aceitou formalmente a acusação, obrigando-se ao cumprimento da pena, mas sem declarar culpa ou inocência.

A Theranos foi fundada em 2003, quando Holmes tinha apenas 19 anos, com a intenção de desenvolver um dispositivo de análise ao sangue inovador. A empresa alegava que o dispositivo Edison podia diagnosticar um conjunto de 30 doenças, incluindo patologias oncológicas, com apenas umas gostas de sangue e não com uma colheita completa. Afirmava ainda que o dispositivo permitia medir os níveis de colesterol.

As promessas de um sistema revolucionário levaram mesmo Holmes a ser descrita como a “próxima Steve Jobs”. Em 2014, a revista Forbes avaliava a sua fortuna pessoal em 4,5 milhões de dólares e colocava-a entre as 400 pessoas mais ricas dos EUA. Holmes era a única mulher com menos de 30 anos nessa lista. Antiga aluna de Stanford, que desistiu do curso de Engenharia Química, Holmes era frequentemente mencionada quando se falava de jovens empreendedores que abandonavam universidades da Ivy League (a elite académica norte-americana) sem diploma e que acabavam por gerar fortunas em Silicon Valley (Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, é talvez o exemplo mais conhecido).

Contudo, em 2015, uma reportagem do Wall Street Journal revelou a fraude e derrubou o mito construído em torno de Holmes. Ouvidos pelo diário norte-americano, vários antigos funcionários da empresa relatavam que os testes apresentados tinham sido falsificados: eram utilizados dispositivos comercializados por competidores (e não o suposto Edison). A empresa acabou por ser proibida de conduzir análises clínicas pela autoridade do medicamento e da segurança alimentar norte-americana (a FDA).

Em 2016, já após a reportagem, a fortuna de Holmes caía para zero na lista da Forbes. Ao início, a empresa tentou defender-se das acusações, mas acabou por dar-se como vencida e encerrou os seus laboratórios. Em 2016, Holmes foi proibida de gerir centros de análises. No mesmo ano chegou o maior abalo financeiro: um processo da cadeira de farmácias Walgreens, principal parceira da Theranos na comercialização dos testes, que pediu uma indemnização no valor de 140 milhões de dólares.

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