Ministério Público insiste em levar a julgamento polícias suspeitos de cegar adepto
Caso passou-se em 2014, em Guimarães, com antigo dirigente do Boavista. Para arquivar processo juiz alegou não ser possível identificar quais são os responsáveis pelas agressões.
O Ministério Público vai recorrer da decisão de um juiz de Guimarães que decidiu não levar a julgamento 11 membros do Corpo de Intervenção da PSP suspeitos de espancar e fazer cegar um adepto do Boavista.
O caso remonta a 3 de Outubro de 2014, dia de um jogo entre o Vitória de Guimarães e aquele clube. Ex-dirigente da secção de futsal juvenil do Boavista, o advogado João Freitas era um dos adeptos que tinham ido ao jogo de autocarro a Guimarães e a quem a polícia tentou convencer a seguir determinado percurso. Como não o fez de imediato, relata o Ministério Público na acusação, um dos agentes da PSP “derrubou-o, colocou-lhe um joelho por cima das costas e fê-lo permanecer deitado no solo de cara para baixo”.
A seguir, este polícia e dois colegas atacaram a vítima “com cotoveladas, pontapés, socos e pancadas de cassetete, enquanto os demais arguidos o integraram no interior de um círculo que formaram e impediram que lhe fosse prestado socorro”. O advogado acabou por ficar cego de um olho.
Apesar disso, no passado dia 15 um juiz de instrução criminal do Tribunal de Guimarães decidiu não levar nenhum dos agentes a julgamento, por entender não ser possível provar quais os que tinham sido responsáveis pelas agressões. O Ministério Público vem agora anunciar que irá recorrer desta decisão de não pronúncia dos arguidos.
Casado e com dois filhos, João Freitas diz estar a retomar a actividade profissional a pouco e pouco. "Mas é complicado, ainda me custa ler os processos todos", admite. Submetido a várias intervenções cirúrgicas, acabou por ter de colocar uma prótese.
Pacto de silêncio entre polícias
O advogado lamenta que a PSP não tenha tentado quebrar aquilo a que chama um pacto de silêncio entre os agentes envolvidos no sucedido. "Uns dizem não ter visto nada, outros asseguram que nem lá estavam", descreve. "Ninguém se acusa". Diz que foi tudo muito rápido, e que o seu irmão, que ia consigo ver o jogo, assistiu ao ataque impotente e em pânico. Identificar os atacantes é que não conseguiu, e ele também não: "Estavam fardados e de capacete."
"Só muito mais tarde, depois de eu ter ficado inconsciente, é que um agente da PSP que não pertencia ao Corpo de Intervenção nem tinha assistido a nada chamou uma ambulância", prossegue João Freitas, explicando que os membros do Corpo de Intervenção não fizeram qualquer relato oficial do incidente: "Nem sequer fui identificado."
Nas imediações do estádio encontravam-se, ao que apurou, quatro equipas daquela unidade da PSP, cada uma com onze agentes. O Ministério Público responsabiliza uma delas, assacando a alguns dos polícias ofensas qualificadas à integridade corporal e a outros um crime de menor gravidade, omissão de auxílio. Segundo o Código Penal, quem negue auxílio a alguém que se encontre em perigo sujeita-se a até um ano de prisão ou a uma multa. Já privar alguém de um órgão ou um membro importante é penalizável com até 12 anos de cadeia.
Tal como o Ministério Público, a vítima também tenciona recorrer do arquivamento do caso, que demorou três anos a ser investigado. O Boavista tem-se disponibilizado para o ajudar. "Já a Ordem dos Advogados não teve a dignidade de me contactar sequer para perguntar se eu precisava de alguma coisa", critica João Freitas.
Meio ano depois deste incidente haviam de se tornar virais as imagens de um subcomissário da PSP a espancar um adepto do Benfica à frente de dois filhos menores, também em Guimarães. Só que no caso do adepto do Boavista não havia ninguém a filmar.