Adolescentes natos
The End of the F***ing World é uma série britânica do Channel 4 que adapta uma banda desenhada norte-americana e chegou este ano ao Netflix. É sobre dois adolescentes que fogem e enveredam por uma vida de crime.
James é um miúdo de 17 anos. Tem quase a certeza de que é psicopata. É isso que eles nos diz na narração logo ao início de The End of the F***ing World. Ele tem sentimentos como os das outras pessoas. Não se ri quando o pai conta piadas. Uma vez pôs a mão numa fritadeira só para ver se tinha sensibilidade e a marca ficou para sempre. Tem por hábito matar animais e anda sempre com uma faca que o pai lhe deu uma vez nos anos.
Um dia, decide começar a matar humanos e escolhe a primeira presa: Alyssa, uma rapariga da sua escola que também não é propriamente normal. Vai fingir que se apaixona por ela para a poder matar. Juntos, mas com uma relação nada harmoniosa nem minimamente convencional, estes dois inadaptados decidem fugir do mundo dos adultos – alguns abusivos para eles, como o novo namorado da mãe dela – e procurar o pai dela, que desapareceu cedo da vida de Alyssa e que ela idealiza.
James dá um soco ao pai, rouba-lhe o carro e fazem-se à estrada, iniciando-se numa vida de crime a dois como os duos de Bonnie & Clyde, Noivos Sangrentos, Amor à Queima-Roupa ou Assassinos Natos antes deles – são comparações a que a própria série convida, até porque, em dada altura, Alyssa diz a James, “se isto fosse um filme, nós seríamos provavelmente americanos”. Atrás deles, duas detectives da polícia com história entre elas e uma relação que é do mais fresco que a série tem para nos dar.
É esta a premissa desta adaptação de The End of the Fucking World (mesmo assim, sem asteriscos), uma banda desenhada do norte-americano Charles S. Forman que saiu em 2013. Na versão televisiva, um original do Channel 4, disponível internacionalmente desde o início do ano no Netflix, a acção é transposta para o sul de Inglaterra. A história é mais ou menos a mesma, mas com mais sangue e muitas alterações de personalidades dos protagonistas, que são ainda mais estranhos e inadaptados, bem como eventos e a adição de personagens que não estavam no texto original.
Os oito episódios têm pouco mais de 20 minutos, a duração de uma sitcom normal. Mas o tom, que varia bastante, não é assim tão dominado pela comédia quanto poderia parecer à partida, havendo espaço para o tocante, o sombrio, o pessimista, o violento, o horrível e o hilariante. E para lidar com temas difíceis, como consentimento ou violação, algo que aqui é tratado de uma forma bastante diferente do que é convencional em séries que usam e abusam desse acto como um atalho para a caracterização de personagens.
A escrita é de Charlie Covell, que é actriz e argumentista e tem pouca experiência nestas lides: tinha assinado apenas três episódios de outras séries (Bananas e Humans) e um filme, Burn Burn Burn, de 2015, antes disto. Os actores que fazem de James e Alyssa, Alex Lawther e Jessica Barden, são bastante mais velhos do que os 17 anos das suas personagens, mas são brilhantes nos papéis. Antes disto, Lawther fez de um jovem Alan Turing em O Jogo da Imitação e participou num episódio da terceira época de Black Mirror em que duas pessoas são chantageadas. Já Barden apareceu em A Lagosta, de Yorgios Lanthimos, e em seis episódios de Penny Dreadful.
Em termos de música, a série também impressiona. Está cheia de soul, pop, folk, rock e country antigos – muitos deles a remeter para a América –, entre Janis Ian, The Cramps, Hank Williams, Mazzy Star, Brenda Lee, Buzzcocks, The Spencer Davis Group, Shuggie Otis, Ricky Nelson ou Françoise Hardy. Mas não é o único motivo de interesse. Os temas originais são de Graham Coxon, marcando a primeira vez que o guitarrista dos Blur faz uma banda sonora inteira. E vai ser lançada no dia 26 deste mês.