A ecologia do fogo: uma proposta de ação

Os fogos florestais não podem ser somente associados a medidas de prevenção e combate.

Passaram-se seis meses desde a tragédia de Pedrógão. Dois meses desde a tragédia de 15 de outubro. Enquanto identificamos datas e locais, estes acontecimentos têm uma escala e repercussões nacionais — não só registam medidas fragmentadas no ordenamento do território definidas pelo governo nacional como também estão dependentes cada vez mais de fenómenos climáticos de manifestação extrema.

Num cenário em que, de acordo com o mais recente relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), se prevê um aumento da temperatura global em cerca de 4,8°C e uma diminuição da humidade no ar e solos, como repensar o território rural — o seu planeamento, as suas populações e a floresta — com sinais de contínua desertificação?

A desertificação neste contexto adquire dois significados paralelos: a redução populacional que se expande com o consequente abandono dos campos, e um outro futuro, embora já presente, de contornos climáticos associados ao aumento de temperaturas e desequilíbrio hidrosférico, com consequentes agravamentos ecológicos e humanos.

Os incêndios da escala que se observaram em Portugal, e nos últimos meses também no sul da Califórnia, são mais do que um fenómeno isolado e necessitam de uma urgente reflexão. O fogo, além de ser extremamente oportunista, tem a sua própria ecologia; é também um subproduto de procedimentos acumulados com origem em diversas medidas, implementadas ou ignoradas, agravado com condições pirometeorológicas propícias. É, assim, impossível discutir os fogos de uma forma singular, isolada, académica ou puramente técnica. É impossível discutir o território rural se não houver uma reflexão integrada acerca de planeamento e estratégia assente nos seus recursos endógenos onde se inclui obrigatoriamente as suas populações, paisagem, floresta e riscos associados.

Nos últimos meses e decorrente destas tragédias há muito a aprender, sobretudo das populações locais que vivem nestes tecidos rurais, as quais infelizmente parecem estar continuadamente ausentes como protagonistas essenciais na ecologia do fogo. Acredito que há muito para ouvir, pois sei, como arquiteta e urbanista, que o nosso tempo não é suficientemente dedicado à complexidade que o território rural representa e exige, acrescendo-se-lhe estados climáticos desfavoráveis e repetido esquecimento. Estes são territórios e populações em risco.

Os fogos florestais não podem ser somente associados a medidas de prevenção e combate. Têm de ser inseridos num entendimento de “risco” e “vulnerabilidade,” e assim posicioná-los em paridade hierárquica com outros riscos naturais, como sejam as inundações, sismos, galgamentos costeiros, deslizamentos de terras ou tsunamis. Pessoas e os seus bens, fauna e flora estão vulneráveis em condições extremas que parecem intensificar-se. A paisagem rural é uma infraestrutura social, ecológica, cultural e económica que tem de ser identificada através dos seus potenciais e também vulnerabilidades. O fogo, se controlado, pode coexistir para manter e tornar esta paisagem mais produtiva e resiliente.

Neste tempo de agora, como arquiteta, urbanista e professora, proponho um cumprimento de cariz profissional, pedagógico e ético centralizado no tecido rural — nas suas populações e dimensões culturais, biometeorológicas e biofísicas, económicas e paisagísticas, que são tão centrais como necessárias para assegurar um território integrado face aos crescentes desafios. Esta proposta assenta numa convicção de que o tecido rural é um ecossistema complexo e vulnerável, cujo planeamento é tão central como urgente para a potencialização e proteção dos seus valores. Se não formos nós a atribuir-lhe “valor,” outros o farão!

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico 

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