A guerra no Afeganistão “não é como nos filmes”

Soldado afegão aquece as mãos na base operacional Howz-e Madad, em Zhari, Kandahar, Afeganistão
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Soldado afegão aquece as mãos na base operacional Howz-e Madad, em Zhari, Kandahar, Afeganistão

"A guerra é 90% tédio." Quem o diz é Louie Palu, em entrevista ao P3. O fotojornalista canadiano, autor do fotolivro de guerra Front Towards Enemy, conhece bem a realidade no terreno e garante que "nada é romântico como nos filmes". "Passa-se muito tempo simplesmente à espera que algo aconteça. Vive-se arrebatado pelo calor, pelos insectos, pelas doenças gastrointestinais e pela exaustão de carregar mais de 45 quilogramas de equipamento fotográfico e de protecção pessoal", explicou. A sua experiência no Afeganistão, intermitente entre 2006 e 2010, é difícil de traduzir por palavras. "Acho que os próprios veteranos de guerra passam o resto das suas vidas a tentar entender o que lhes aconteceu", explica. Mas "aqueles que sofrem mais são os civis", sublinha, "em particular as crianças". "Lembro-me de ver dois rapazes a serem resgatados por uma equipa médica após uma explosão; foram atingidos por estilhaços e ficaram permanentemente cegos. Houve um médico, por exemplo, que participou em mais de 350 missões de evacuação na linha da frente; foi enviado para casa antes de terminar o seu período de serviço por não aguentar a pressão. Eu próprio, durante o período que passei no helicóptero [de salvamento] MEDEVAC, vi ferimentos tão violentos que, passado algum tempo, o meu cérebro deixou de ser capaz de processar tamanha carnificina."

 

A experiência de fotógrafos em ambiente de guerra, sempre voluntária, conduz frequentemente a uma questão: porquê? O que leva um civil a enfrentar voluntariamente esse cenário? "Os meus pais nasceram antes da Segunda Guerra Mundial e cresceram como testemunhas de violência de guerra. Eu cresci a ouvir as histórias de trauma e pobreza da minha família e fui ensinado a ter uma ligação profunda às minhas raízes. Regressei à guerra repetidamente porque queria compreender as suas experiências. Eu sou um jornalista e não um soldado. Nunca peguei numa arma." Front Towards Enemy, no entanto, pode ser visto como uma arma contra o esquecimento e a normalização das atrocidades de guerra. O formato é singular e a leitura é intencionalmente desafiante. "O livro obriga o leitor a 'trabalhar' para compreender", explica Palu, "porque a própria realidade da guerra é intrincada".

 

O corpo de trabalho que desenvolveu ao longo de 26 anos enquanto fotógrafo documental não se resume à fotografia de guerra. Os projectos debruçam-se sobre os temas dos direitos humanos, da pobreza, de questões de natureza política e social. As imagens de Louie Palu já foram distinguidas nos concursos de fotojornalismo e fotografia documental Pictures of the Year International (POYi), NPPA, Alexia Foundation, e já conheceram publicação no New York Times, New Yorker, Al Jazeera, BBC, Time, Newsweek, Washington Post, entre outros de igual relevância.

Médicos canadianos tratam civis afegãos vítimas de uma explosão em Zhari, Afeganistão
Sombra do helicóptero americano MEDEVAC em Zhari, Afeganistão
Soldados afegãos e canadianos numa trincheira marcam as suas posições comfumo violeta em Panjwa’i, Afeganistão
Soldado canadiano mantém-se imóvel após explosão por temer presença de minas terrestres, em Panjwa’i
Soldado afegão gravemente ferido, em Kolk, é iluminado pela equipa médica em Zhari
Soldado afegão toca flauta enquanto outros descascam batatas numa base em Howz-e Madad, em Zhari
Soldado afegão come uvas durante uma ronda em Pashmul, Zhari
Agente da polícia afegã que foi ferido por arma de fogo canta para os pássaros em Pashmul, Zhari
Livro Front Towards Enemy, de Louie Palu, editado pela Yoffi Press