GuiDance busca múltiplos futuros e apresenta Rui Horta em dose dupla

Festival de dança contemporânea de Guimarães tem várias estreias, entre elas de coreógrafos gregos. É também ocasião para descobrir valores futuros.

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Autobiography, do britânico Wayne McGregor Richard Davies
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Jaguar Uupi Tirronen Zodiak Center for New Dance
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Vader Herman Sorgeloos
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Vespa João Duarte

À oitava edição, o festival de dança contemporânea de Guimarães, GuiDance, pretende estabelecer uma “linha de tempo”, apoiada no passado para traçar caminhos de futuro nas nove obras que serão apresentadas de 1 a 10 de Fevereiro de 2018. Com três estreias de coreógrafos internacionais em Portugal, o cartaz do GuiDance inclui duas peças de Rui Horta, uma delas, Humanário, em estreia absoluta.

As tentativas de diálogo entre ciência e arte, o ideal e o real e corpos mais novos e mais velhos unificam-se num esforço de construir eventuais futuros para o homem e para o seu corpo, em mais um GuiDance.

O festival, salientou o programador do Centro Cultural Vila Flor (CCVF), em Guimarães, Rui Torrinha, projecta-se como “uma linha de tempo” em que se reflecte “sobre a ancestralidade e a criação de futuros” com alguns dos “mais importantes criadores contemporâneos”, quer nacionais, quer internacionais, mas, ao mesmo tempo, com o palco disponível para valores que podem, no futuro, ocupar o primeiro plano da dança contemporânea.

A reflexão sobre o passado e a projecção do futuro começam nos genes, com a obra Autobiography, do britânico Wayne McGregor, uma das três estreias em território luso, agendada para o dia 1 de Fevereiro, no Grande Auditório do CCVF. A obra funda-se na ideia de “corpo como arquivo”, portador de um código genético, para reconstruir memórias e especular sobre o futuro — o coreógrafo sequenciou todo o seu genoma e, a partir daí, um algoritmo escolheu um fragmento de cada um dos 23 pares de cromossomas para definir os 23 movimentos que compõem o espectáculo.

O artista em destaque no festival é, porém, o veterano Rui Horta, pela “ligação muito forte” com a cidade, frisou Torrinha. Aos 60 anos, o coreógrafo voltou a ser bailarino em Vespa, pondo fim a uma ausência de mais de 30 anos dos palcos. A peça a solo de uma personagem a lidar com os demónios na sua cabeça estreou-se em Abril último, no Vila Flor, e vai ser reposta a 7 de Fevereiro, na black box do Centro Internacional de Artes José de Guimarães. “Estou sempre angustiadíssimo nos primeiros dez minutos da Vespa. Depois, divirto-me imenso”, confessou Rui Horta.

Dias antes, a 3 de Fevereiro, o CCVF vai ser o palco da estreia absoluta de Humanário, a sua mais recente criação, que visa mostrar cerca de 40 pessoas em palco “na sua beleza e na sua curiosidade” e celebrar tais dimensões humanas através da voz, o “elemento unificador”. Apostado em fazer algo que lhe desse “gozo”, o artista rumou todas as semanas, durante dois meses, de Montemor-o-Novo, onde reside, a Guimarães para criar a peça com o músico Tiago Simães, e vai replicá-la no Verão em Madrid.

Descrevendo o evento como “excepcional”, o coreógrafo destacou ainda a exibição, a 9 de Fevereiro, da peça Jaguar — “uma manifestação de sentidos praticamente incontrolável, que escapa a rótulos artísticos”, tal como se lê na sinopse da peça distribuída aos jornalistas — da autoria de Marlene Monteiro Freitas, em colaboração com o alemão Andreas Merk. Rui Horta considerou “muito importante” que “a região” possa ver a “maior criadora” portuguesa da actualidade, que neste momento está a “reescrever a história da dança mundial”.

O festival conta ainda com Vera Mantero, que vai apresentar, em Guimarães, O Limpo e o Sujo, peça estreada em 2016, onde os corpos em palco, através do movimento, expelem e absorvem, ao mesmo tempo, o que de sujo têm no seu interior.

A “bússola” aponta para a Grécia

As outras duas estreias em Portugal são de artistas gregos: Cementary, de Patricia Apergi, com a Aerites Dance Company, e Titans, de Euripides Laskaridis. O programador artístico explicou que o CCVF, em cada ano que programa o GuiDance, tem “vontade” de procurar “novas geografias na bússola” e vai acolher, neste ano, dois olhares sobre o Sul da Europa. Rui Horta mostrou-se entusiasmado com a presença grega no festival, pela ligação estabelecida há quatro anos, quando O Espaço do Tempo, projecto que criou quando regressou a Portugal, acolheu criadores que tinham deixado aquele país, incluindo Patricia Apergi, na sequência da crise económica. “Quando Portugal e Grécia estão juntos, celebrando os seus artistas, algo de incrível acontece”, reiterou.

A obra de Patricia Apergi, de teor social, procura retratar a cidade como um labirinto caótico, um lugar onde os sem-abrigo vagueiam por ruínas e onde deixa de haver lugar para o sonho. Já Euripides Laskaridis interroga-se sobre a distância entre o ideal e o real com um espectáculo “mais estranho, visual, ficcional”, assumiu Torrinha. A peça de Laskaridis é uma das duas que procuram reflectir a “emergência” de novos valores no GuiDance. A outra é Da insaciabilidade no caso ou ao mesmo tempo um milagre, peça de Joana von Mayer Trindade e Hugo Calhim Cristóvão, que procura celebrar, com quatro bailarinos em palco, a arte de Almada Negreiros.

O festival vai encerrar onde começa, a 10 de Fevereiro, com a solidão que transparece em Vader, da companhia belga Peeping Tom, que regressa a Guimarães depois de em Setembro, no 12.º aniversário do CCVF, ter apresentado Moeder, outra peça da mesma trilogia. A companhia vai ter a seu cargo uma das masterclasses no âmbito do GuiDance – a outra é de Wayne McGregor. Além desta iniciativa, vão decorrer conversas após os espectáculos, visitas às escolas e dois debates sobre o pensamento na dança, moderados pela jornalista Cláudia Galhós.

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