Combater a corrupção
Talvez seja este o caminho a seguir para nos protegermos de políticos desonestos e sem escrúpulos que fazem da corrupção um modo de vida.
Um dos mistérios do nosso tempo é a disseminação da corrupção pelo tecido social, tal como acontece com as metástases de um cancro. E como até ao momento (pelo menos assim parece) não tem havido tratamento eficaz para tamanha doença social, só restam os protestos que contra ela são globais, desde a Índia, México, Brasil, Guatemala, Argentina, até à Coreia do Sul, passando pela Rússia ou pela Tailândia e, em boa verdade, por todos os países que no mapa-múndi se inscrevem. É assim que, por todo o lado, se assiste diariamente nas diferentes cadeias de televisão a manifestações nas ruas contra políticos e empresários corruptos.
A corrupção é um polvo (como na famosa série italiana dos anos 80) que confunde “amizade”, “prendas” e “favores”, pondo ao serviço dos seus interesses inconfessáveis e privados os imensos poderes de que dispõem os políticos detentores de cargos públicos, que facilmente caem nas graças ou fazem amizade com empresários de elite.
Deste lamaçal de políticos inconsistentes, pusilânimes e (muitos deles) necessitados, e empresários manhosos, emergiu agora uma nova maneira de fazer política, com um estilo particularmente chamativo, comunicando pelas redes sociais tudo aquilo que as massas votantes querem ouvir sobre o combate à corrupção. Por isso, não surpreende que os governos da Venezuela, de Cuba ou do Irão usem e abusem de processos anticorrupção para afastar opositores políticos, para grande gáudio das multidões que passam os dias (e as noites) agarradas ao Facebook. É assim que a corrupção se tem ultimamente tornado numa arma de arremesso fatal para aqueles a quem se destina, e facilmente justificável para o cidadão votante.
Vêm estas considerações a propósito das insólitas purgas lançadas na Arábia Saudita pelo príncipe herdeiro Mohammed Bin Salman, detendo para interrogatório, no Hotel Ritz-Carlton de Riad, 201 empresários por suspeita de se terem aproveitado de 100 mil milhões de dólares durante a última década em negócios que lesaram aquele riquíssimo Estado do Golfo Pérsico, um dos mais discricionários do mundo. As autoridades sauditas, que nunca se distinguiram pela probidade e pela circunspeção, congelaram mais de 1700 contas bancárias dos suspeitos. Claro está que os detentores dessas contas não são santos, mas, vindo de quem vem, um tal súbito e enérgico combate à corrupção parece-me, no mínimo, estranho.
Portugal, como é óbvio, não tem sido imune ao flagelo da corrupção. Casos não nos faltam, logo a começar por termos um ex-primeiro-ministro a contas com a justiça, e difícil, ou mesmo impossível, é elegermos sempre políticos verdadeiramente íntegros. Mas como, e toda a gente sabe, político não rima com integridade, ao menos temos a obrigação de criar mecanismos que nos protejam da fraude, que nos protejam da corrupção.
Fundamental seria, por exemplo, retirar das funções do Tribunal Constitucional a guarda das declarações de rendimentos dos políticos, e criar-se uma alta autoridade para a transparência da vida pública, à qual todos os titulares de cargos políticos e equiparados (deputados, membros do governo, do Conselho de Estado, do Tribunal Constitucional, das câmaras municipais, titulares de cargos por nomeação governativa ou camarária, gestores de empresas públicas, etc.) deveriam entregar uma declaração de bens e de interesses. Um inventário completo do património existente na esfera privada, contendo uma descrição minuciosa com a data, o preço de compra e o valor atual de propriedades, valores mobiliários (ações, obrigações, fundos de investimento), seguros de vida, contas bancárias e outros meios de riqueza, tais como automóveis, barcos de recreio, etc. Depois de tudo se encontrar devidamente registado, quem se “esquecesse” de declarar uma parte do seu património, omitisse bens existentes no exterior ou indicasse valores falsos de aquisição ou de valorização, sujeitava-se a multa e, acessoriamente, à proibição do exercício de funções públicas.
Talvez seja este o caminho a seguir para nos protegermos de políticos desonestos e sem escrúpulos que fazem da corrupção um modo de vida. A corrupção é um mal social a que tem de se dar incessante combate.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico