Estado vai poupar 3000 euros por doente com VIH/sida em 2018
Regras da contratualização também visam penalizar hospitais que não são centros de referência, dando-lhes menos 50% do valor dos tratamentos complexos e especializados. Em 2018, Governo quer fazer menos 125 mil urgências e mais 5% primeiras consultas do que este ano.
É o resultado da chegada ao mercado de terapêuticas cada vez mais baratas: o tratamento de doentes com hepatite C e com VIH/sida vai passar a ter novas regras nos hospitais públicos e ficar bem mais acessível, permitindo ao Estado poupar dinheiro no próximo ano.
No caso das pessoas com infecção por VIH/sida, o preço a pagar anualmente por doente vai cair cerca de um terço: os hospitais recebem hoje 9166 euros/ano por cada paciente em tratamento, valor que vai ser reduzido para 5997 euros em 2018.
O preço foi revisto “considerando o hiato de tempo de cerca de dez anos volvido entre a criação da modalidade de pagamento e o momento actual”, justifica a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) no documento que define as regras de contratualização com os hospitais em 2018 e a que o PÚBLICO teve acesso.
Em 2018, o financiamento dos hospitais ascende a 3875 milhões de euros, mais 117 milhões do que em 2017.
Na infecção VIH/sida há um cuidado suplementar: apenas serão elegíveis para pagamento os doentes devidamente registados no sistema informático que desde há anos existe para o efeito, o SI.Vida. De acordo com o último relatório do programa prioritário da Direcção-Geral da Saúde (DGS) para esta área, no ano passado estavam a ser seguidos nos hospitais públicos mais de 34 mil doentes e, destes, cerca de 31 mil estavam a fazer terapêutica com anti-retrovirais.
Relativamente à hepatite C, a alteração é mais profunda: há uma mudança do sistema de financiamento dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS), que passa a ser efectuado à semelhança do que acontece noutras patologias, com um preço por doente tratado definido à partida nos contratos-programa. Assim, no próximo ano, os hospitais começam a receber 6922 euros por cada doente. Estipula-se ainda que, em caso de necessidade de se tratar de novo o doente por falha do primeiro tratamento, deve ser aplicado o mesmo preço. Na contratualização deste ano, não estava definida uma verba específica para este fim, sendo os hospitais pagos a partir do orçamento centralizado na ACSS.
“O valor contratado para 2018 nesta linha de actividade destina-se exclusivamente ao pagamento do tratamento de doentes com esta patologia, não podendo ser utilizado para outro fim, de forma a assegurar a acessibilidade a estes tratamentos a nível nacional”, lê-se nos "Termos de Referência para Contratualização de Cuidados de Saúde" no SNS para 2018. Este preço será objecto de reavaliação trimestral.
O programa de financiamento centralizado foi criado há dois anos para o tratamento com medicamentos inovadores e que curam. “Agora, com o processo estabilizado, haverá uma dotação fixa, mas continua assegurado que os doentes [hepatite C] serão todos tratados”, garante Ricardo Mestre, vogal do conselho directivo da ACSS.
O Governo PSD-CDS chegou em 2015 a um acordo com a farmacêutica Gilead Sciences para inicialmente tratar os pacientes com hepatite C com um fármaco inovador muito dispendioso, o sofosbuvir. A farmacêutica reclamava 48 mil euros por doente tratado, mas este preço baixou bastante (nunca se soube quanto, porque ficou estipulado que o valor era secreto). Entretanto, foram surgindo outras terapêuticas mais baratas e a concorrência levou a uma redução acentuada dos preços.
Com esta mudança de modelo de financiamento, o Governo insiste assim em manter uma decisão que tinha revogado em Julho, após alguma polémica. Nessa altura, surgiu um despacho que transferiu para os hospitais o financiamento dos tratamentos da hepatite C, mas apenas três dias depois foi revogado. A decisão foi então alvo de críticas por se entender que o que o Governo pretendia era restringir os tratamentos — que em Julho abrangiam mais de 11 mil doentes, dos quais quase sete mil estavam já curados.
“Reorganização do sistema”
Outra novidade é a pressão que se acentua sobre as unidades menos especializadas que insistem em fazer tratamentos complexos e especializados — que a tutela quer ver circunscritos aos chamados centros de referência. Criados a partir de 2015, são centros (dentro dos hospitais) considerados de topo para o tratamento de determinadas doenças ou procedimentos muito complexos e caros. Actualmente existem 88 no país.
Em 2018, a ACSS aumenta substancialmente as penalizações que visam desincentivar os centros que não são de referência a efectuar intervenções muito especializadas. A partir de 2018 receberão menos 50% do valor que é pago aos centros de referência, quando este ano a penalização é de 10%. “São situações de baixa casuística, como oncologia diferenciada, transplantes e doenças raras. É um sinal muito claro de que se pretende uma reorganização do sistema”, diz Ricardo Mestre.
De resto, em 2018 pretende-se alargar as experiências-piloto de equipas dedicadas nos serviços de urgência (médicos que só fazem “banco”, na gíria). A meta é diminuir o número de urgências em 2% (menos 125 mil episódios) e aumentar as primeiras consultas em 5%.
Outra novidade é a alteração da modalidade de pagamento no tratamento de doenças oncológicas. Passa a haver um pacote fixo de financiamento pelo acompanhamento de cada doente nos casos da próstata, pulmão e mieloma. É ainda criado um financiamento próprio por doente tratado no caso de patologia mental grave. com Ana Maia