Gal Costa, uma vida espelhada em duas dezenas de canções
Só voz e violão ou guitarra eléctrica, Gal Costa apresenta em Espelho d’Água um reflexo de canções que melhor a identificam. Sexta e sábado em Lisboa, no Campo Pequeno, e domingo no Coliseu do Porto.
De Gal Costa, Portugal tem coleccionado ao longo dos anos várias e desiguais memórias. Depois de um superlativo concerto em Mafra em 2006 e de um morno recital de voz e violão em 2007, vimo-la “num memorável recanto luminoso” em 2013, naquele que terá sido um dos seus melhores concertos (a par do de Mafra) em solo nacional. Agora, a dona e senhora de uma voz cristalina que soube fazer história na música brasileira está de volta para um novo concerto de voz e violão, mas com características diferentes do de 2007. Com repertório escolhido por ela e pelo jornalista Marcus Preto, com o violão e a guitarra eléctrica do carioca Guilherme Monteiro por companhia, Gal apresenta-se por duas noites no Campo Pequeno, em Lisboa (10 e 11, 22h), e uma no Coliseu do Porto (dia 12, 21h).
O espectáculo deve-se a um convite que recebeu, como explica Gal Costa ao PÚBLICO: “Eu fui convidada, aqui em São Paulo, para estrear a agenda do Teatro Safra, totalmente reformulado, e queriam uma coisa mais intimista. Então o Guilherme Monteiro, que é um grande guitarrista acústico (toca violão e também guitarra eléctrica), trabalhava comigo e eu escolhi um repertório emblemático de várias épocas da minha carreira para cantar.” E fê-lo por um motivo de actualidade: “Porque hoje há um público jovem que segue o meu trabalho e nunca teve oportunidade de me ouvir cantar canções do passado, como Tigresa ou Vaca profana. Então eu canto com guitarra acústica e eléctrica, há uma sonoridade variada e é um show instigante, porque como a maioria das canções é conhecida e eu tenho, com uma maturidade bem maior, uma grande interacção com a plateia.”
As canções escolhidas por Gal vêm de discos que abrangem mais de duas décadas, desde o seu LP de estreia, Domingo (1967, gravado com Caetano Veloso), até Gal (1969), Fa-tal (1971), Índia (1973), Caras & Bocas (1977), Água Viva (1978), Gal Tropical (1979), Fantasia (1981), Profana (1984) ou Minha Voz (1988), em canções como Coração vagabundo, Volta, Sua estupidez, Tigresa, Vaca profana, Baby, Tuareg ou Meu nome é Gal. “Procurei um repertório de vários anos, com canções que foram sucesso. E tinha muita vontade de cantá-las.” Mas o nome do espectáculo vem de uma canção nova, Espelho d’água, escrita por Marcelo e Thiago Camelo para o mais recente disco de Gal, Estratosférica, de 2015. É a única canção desse disco que integra no espectáculo, embora Gal admita cantar outras. “Talvez inclua outras, em Portugal. Mas não é o Estratosférica, que é um show que eu até gostaria de fazer em Portugal, porque é mais rock’n’roll.”
Novo disco na calha
A escolha das canções teve também por base uma identificação mais pessoal. “Quis escolher canções específicas, que tivessem uma relação com a minha personalidade como artista, ao longo desses anos. Claro que vou cantar Gabriela, que é uma canção com que me identifico muito (eu me acho um pouco Gabriela) ou Um dia de domingo, canções de que as pessoas vão gostar.” Há várias de Caetano Veloso na lista. Como Minha voz, minha vida, que de algum modo a retrata. “Essa canção foi feita para mim, mesmo. Caetano fez muitas canções para mim, falando para mim, para a minha voz, como Vaca profana, O sorriso do gato de Alice, A verdadeira baiana. É como se ele se projectasse em mim e as fizesse. Ele tem uma maneira de compor para mim muito especial.”
Um dos discos que Gal mais revisita aqui, Caras & Bocas, completa 40 anos em 2017. É dele que se ouvirão, além de Tigresa, canções como Um favor (de Lupicínio Rodrigues), Solitude (de Duke Ellington, numa versão de Augusto de Campos) e Negro Amor (versão de Caetano e Péricles Cavalcanti para It’s all over now, baby blue, de Bob Dylan).
Depois de Estratosférica, nascido na sequência lógica do antecessor, Recanto (2011), Gal já pensa num novo disco. “Já estou pensando na estética musical e tenciono começar a trabalhar no repertório, para no final do ano já ter a estrutura do disco que vou fazer.”