Há grandes disparidades no país no apoio a mulheres vítimas de violência
Relatório enviado ao Conselho da Europa alerta para disparidades no atendimento a vítimas de violência doméstica no território. ONG feministas pedem reforço do Orçamento para 1% dedicado à igualdade de género e violência contra as mulheres.
Ainda há grandes desigualdades territoriais no apoio a vítimas de violência doméstica, a punição criminal dos agressores continua a ser inadequada, há falta de apoio às vítimas de crimes sexuais e ainda uma enorme falta de dados sobre os crimes dos quais as mulheres são a maior parte das vítimas.
São alguns dos problemas encontrados por 20 organizações não governamentais portuguesas de defesa dos direitos das mulheres, que enviaram, no início de Outubro, um relatório para o grupo de peritos do Conselho da Europa responsável pela avaliação da aplicação da convenção para o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica — a Convenção de Istambul, ratificada por Portugal em Fevereiro de 2013. No relatório, as ONG pedem que 1% do Orçamento do Estado seja dedicado à promoção da igualdade de género e ao combate à violência contra as mulheres.
O grupo de trabalho, coordenado pela Associação de Mulheres Contra a Violência (AMCV) e a Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres (PpDM), conta com organizações como a União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) e a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas (APMJ).
Estas associações defendem que é preciso reconhecer na prática, tal como está patente na Convenção de Istambul, que “a violência doméstica afecta as mulheres de forma desproporcional”, mesmo sem deixar de parte que “os homens também podem ser vítimas”. Apesar de isto ser claro nos planos para a igualdade, a abordagem na lei continua neutra. “Portugal mantém alguma tendência para não olhar para as questões da violência numa perspectiva de género”, lamenta Alexandra Silva, da PpDM, que dá o exemplo da legislação sobre violência doméstica, onde a palavra “mulher” aparece apenas para descrever as ONG envolvidas no trabalho de campo.
O caso do acórdão da Relação do Porto, onde na argumentação os juízes desculpabilizaram a agressão de um homem à ex-companheira pelo facto de esta ter mantido uma relação extraconjugal, chamou a atenção para outro problema apontado pelas organizações: continua a haver penas inadequadas para os agressores, muitas vezes “baseadas em estereótipos de género”. O relatório fala mesmo em “violência institucional”. Tal como o PÚBLICO noticiou na quinta-feira, as associações alertam o Conselho da Europa para a falta de formação especializada obrigatória para todos profissionais que contactam com vítimas de violência, desde as forças de segurança à saúde e a justiça (incluindo os juízes), que devem reflectir na sua actuação a consciência de que “a natureza estrutural da violência contra as mulheres é baseada no género”, como é reconhecido na Convenção de Istambul.
Decisões judiciais como a que causou polémica são apenas a ponta do icebergue, já que também “a protecção das mulheres em Portugal varia entre regiões ao nível da distribuição dos serviços”, refere a PpDM, em comunicado. Em entrevista ao PÚBLICO, em Setembro, Catarina Marcelino, na altura ainda secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade, reconheceu as disparidades territoriais no apoio às vítimas, explicando que têm sido celebrados novos protocolos intermunicipais em articulação com as forças de segurança, os serviços de saúde, as ONG e o Ministério Público.
Apesar do progresso na área da violência doméstica e de práticas nefastas tradicionais, reconhecido pelas ONG, “outras formas de violência contra as mulheres têm ficado arredadas do debate público e das medidas políticas”. Exemplo claro é a violência sexual: Portugal tem um único centro de crise para vítimas destes crimes, coordenado pela AMCV em Lisboa desde o início do ano, quando a recomendação do Conselho da Europa era existir um por cada 200 mil mulheres.
As organizações pedem, por fim, que 1% do Orçamento do Estado seja dedicado à promoção da igualdade e ao combate à violência doméstica e de género. O valor, distribuído por áreas como a saúde, a educação, a justiça e o trabalho, serviria para “a implementação de políticas, medidas e serviços integrados”, e também para garantir recursos financeiros e humanos adequados para as ONG que trabalham no terreno, com financiamento precário. Alexandra Silva, da PpDM, afirma que este é um valor simbólico, uma base “de negociação” para exigir um “compromisso político”, e que medidas para a promoção da igualdade sejam debatidas e adoptadas de forma integrada.
As ONG relembram que a violência contra as mulheres é um problema com impacto económico: em 2011, os custos na União Europeia foram estimados em 228 mil milhões de euros — equiparado a 1,8% do PIB da UE —, entre gastos dos serviços públicos de apoio às vítimas e perdas económicas, como quebras de produtividade e baixas médicas.