França
O que é que ainda não foi dito sobre os portugueses em França?
Há uma lusodescendente em busca de histórias de emigração em França: as dos antigos, que partiram na década de 60, e as dos novos, que emigraram em 2008 empurrados pela crise económica. “Antes vinham com o sonho de voltar, hoje não sabem se voltam”.
Em 2008, Rose Nunes trabalhava num banco em Paris e atendeu uma emigrante portuguesa que lhe chamou a atenção. Não só vivia na mesma morada que durante anos foi a de familiares de Rose, como a sua história parecia ser de outros tempos: “Ela ainda não tinha 40 anos mas tinha o perfil dos emigrantes dos anos 60”, conta ao PÚBLICO. Trabalhava nas limpezas e dirigiu-se ao banco para pagar a prestação da casa que tinha em Portugal. Rose – que também é Rosa - é filha, neta e bisneta de emigrantes portugueses. O bisavô materno emigrou para a Argentina em 1937, os pais fugiram para França no início de 1970. Marcada pela tradição oral e pelas histórias infindáveis da avó Maria Rosa (de quem herdou o nome), Rose quis mergulhar no tema da memória através das histórias de emigração dos portugueses em França, cruzando datas e gerações: aqueles que emigraram entre 1960 e 1975 e os que partiram depois de 2008. “Com mais de 50 anos de intervalo, o mesmo fenómeno repete-se: o exílio massivo de portugueses para a Europa, nomeadamente França”, escreve a lusodescendente na nota de apresentação do projecto E-migras, lançado este mês. Rose queria perceber o que aproxima e distancia uns e outros, o que pensam uns dos outros. “Antes vinham com o sonho de voltar, hoje não sabem se voltam”, afirma. “Mas acaba por haver um efeito espelho nestas histórias”, explica ao PÚBLICO.
Rose já recolheu 34 testemunhos desde 2015, relatos individuais que fazem parte de uma história colectiva. São horas a ouvir e a registar memórias junto da comunidade portuguesa, à procura sobretudo de rostos novos e de histórias não contadas. “Queria pessoas comuns e não apenas as histórias de sucesso da emigração”, diz. A porta de entrada no projecto E-migras é a fotografia, à qual Rose se dedicou depois de deixar o seu trabalho no sector bancário em 2011. No site do projecto, cada história será acompanhada de um registo fotográfico dessa pessoa, nomeadamente em locais escolhidos pelos próprios personagens, que marcam a história pessoal de cada emigrante. “Olhar para o passado é uma coisa que muitas vezes só chega depois”, explica. Uma lição que aprendeu a partir das histórias de emigração da sua própria família. O pai chegou a viver um ano nos bidonvilles de Saint-Denis. A mãe, ao contrário das tias maternas, escapou aos bairros de lata construídos por emigrantes. Essa parte da história familiar raramente era abordada: “Contavam-se anedotas, mas a história deles próprios nem tanto”, diz Rose.
Aquela que Rose diz ser vista como a “comunidade silenciosa” em França ainda partilha pouco as suas recordações do passado. “Pode abrir mágoas”, afirma. Rose, formada em Economia Aplicada, seguiu de perto a crise económica e social que Portugal atravessou. Revoltou-se com as declarações de Passos Coelho que incentivava a emigração dos jovens e estranhou a “calma” dos portugueses. Rose foi movida pela incompreensão: “Como era possível ainda haver emigrantes portugueses de nova geração que eram explorados? Será que os emigrantes antigos compreendem os novos? Faço isto para entender e transmitir, para que fique algo. E não é tudo limpinho e branquinho.”