OE 2018: vamos mas é almoçar?

Onde estão no Orçamento do Estado a segurança nacional, economia reputacional e a transformação digital?

Perante a ideia de disrupção, subitamente em voga entre nós, venho advogando que os anos à nossa frente rasgam um horizonte cuja essência se sintetiza num desafio de reinvenção, no sentido da ideia de Antoine Lavoisier segundo o qual “na Natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Vivemos tempos de transição e de afirmação do que venho designando por economia reputacional baseada numa nova cidadania económico-financeira, centrada na sustentabilidade e na aspiração social da interligação entre liderança, integridade e responsabilidade, e num processo social de estar em relação de e-lifestyle, que é antes de mais a expressão da sociedade digital, na qual a introdução de tecnologias digitais altera o nosso quotidiano, ao permitir inovações, de que são exemplos a blockchain, os mercados em linha e as redes sociais. Desencadeando tudo isto um efeito da maior importância: a afirmação da reputação como new comodity.

Em paralelo, afirmou-se nos Estados uma deriva de rearmamento, com prioridade das superpotências ao desenvolvimento de supercomputadores, sinalizando que a segurança nacional se tornou o epicentro da agenda política dos países mais influentes. O que é uma evolução de contexto da maior relevância, posto que a história das nações ensina que quando isto ocorre a eficiência económico-financeira é secundarizada, e os fluxos de comércio, investimento e pessoas são afectados estruturalmente. Estranhamente, este dado tão fundamental não suscitou ponderação nas hipóteses nas quais se baseia a estratégia de crescimento económico e consolidação orçamental apresentada no relatório que acompanha a Proposta de Lei do Orçamento do Estado de 2018. Como está perante todos, assistimos ao fim da globalização, à escalada do nacionalismo e ao encorpar de um ambiente internacional tenso, agravado por lideranças temerárias ou radicalismos surgidos em países com vocação de esteios do modo de vida ocidental. Acresce que as liberdades cívicas, em especial a privacidade, enfrentam perigos que ameaçam as instituições das democracias ocidentais. Isto é tanto mais sensível quanto, como está perante todos, guardiões do ideal democrático como o Direito ou a Liberdade de Imprensa, dão sinais de perda de independência e de estarem debilitados como valores civilizacionais, incluindo o direito de defesa.

De igual modo, é crucial ponderar o surgimento de novos riscos como os ciberataques com poder de destruição massivo, ou as interferências de grupos de hackers alegadamente patrocinados por potências estrangeiras com a finalidade de alterar o resultado de processos eleitorais ou o dia-a-dia da civitas. Todas estas alterações contribuem para um sentimento geral de insegurança e a afirmação de uma “angústia de existir” que se vai propagando, e exprimindo através da construção de muros. E que a redoma de vidro blindado em redor da Torre Eiffel, 28 anos após a queda do muro de Berlim, confirma não ser um impulso fugaz.

Indiscutivelmente, tudo o que mencionei entreabre um horizonte de mudanças de grande fôlego, com epicentro na segurança nacional, na economia reputacional e na transformação digital, que têm mais importância para os interesses de Portugal do que se pensa. Exigindo preparação humanista às lideranças e um amortecimento só viável através de políticas públicas e societárias baseadas em hipóteses realistas e vocacionadas para a coesão e justiça social.

No imediato colocam-se duas opções. Uma opção é não agir, enfrentando despreocupadamente o futuro. Entregando-nos ao isso depois se vê, ao deixar andar, pois se sempre se fez assim, há-de continuar-se a fazer por muito tempo: vamos mas é almoçar. A outra opção é agir e, em testemunho de responsabilidade social, atribuir prioridade à identificação da comunidade com a mudança em curso, por forma a abrir caminho à mobilização de interesses, vontades e à evolução de mentalidades. Permitindo que todos se apercebam a tempo, meditem e tenham a oportunidade de compreender o que está em questão e decidir as alterações que permitam minimizar perigos e maximizar as oportunidades de inovação, crescimento inclusivo e emprego que a era da sociedade digital oferece a todos aqueles que tiverem a humildade de respeitar o ditado português que não basta ter o fruto na mão, é preciso saber comê-lo.

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