Tudo se transforma. A cultura também
O apoio financeiro do Estado às artes performativas — e às artes em geral — caiu no real.
Nos últimos anos tem-se assistido a uma erosão dos financiamentos públicos às artes performativas. Esta erosão tem sido resultado da forte contenção orçamental determinada pela intervenção externa — 2011/2014 —, a qual, num setor bastante dependente de financiamentos estatais, provocou uma alteração muito significativa dos paradigmas de produção. Com um contexto político e um modus operandi adaptados do modelo francês (e da sua noção de serviço público), só muito timidamente se tem promovido a diversificação dos apoios financeiros — veja-se a pouca eficácia da Lei do Mecenato e de outros incentivos ao investimento, pelo menos neste setor. Até ao virar do século, os “reforços orçamentais” apareciam sempre ligados às grandes iniciativas institucionais — de que o Porto 2001 e, em muito menor escala, Guimarães 2012, terão sido os derradeiros exemplos.
O apoio financeiro do Estado às artes performativas — e às artes em geral — caiu no real, se comparado com os anos que se seguiram à criação, pelo Governo do Partido Socialista, do Ministério da Cultura na segunda metade dos anos 90 do século passado. Depois de um longo interregno, o MC voltou a ser recuperado pelo atual Governo. Só que com dotações orçamentais substancialmente diferentes. À erosão financeira geral, cujas causas são sobejamente conhecidas, juntam-se, no caso do setor artístico e cultural, profundas mudanças que foram determinadas pelo impacto das tecnologias de informação e comunicação e que alteraram decisivamente os comportamentos e expectativas dos públicos, os modelos de gestão, as formas de divulgação, a “promoção” de novos hábitos e práticas culturais e a “despromoção” de outras que eram mais ou menos consensuais. Apesar das mudanças sociais, económicas e culturais verificadas, o modelo político mantém-se, na generalidade, o mesmo. Só que com muito menos dotação orçamental.
Dado o atual contexto, vislumbram-se, pelo menos, três caminhos possíveis: a manutenção da situação atual com pequenos acréscimos que em pouco alteram o status quo; o reforço significativo da dotação orçamental do MC; a reformulação das políticas culturais e do modus operandi, tendo em conta as transformações operadas nos próprios públicos e no setor artístico e cultural.
Dada a difícil viabilidade da segunda opção (que seria, à primeira vista, a mais consequente e consensual), parece-me que a opção em análise será a terceira. Contudo, enveredar por esta opção — mais cedo ou mais tarde ela vai apresentar-se como a única sensata — implica repensar profundamente as políticas culturais e adequá-las a um tempo que se tornou substancialmente diferente. Mas este será um excelente legado que a atual geração de decisores poderá deixar à seguinte. Pelo menos alivia-a do trabalho de ter de retificar erros do passado.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico