Quando a idade é um super-poder
A Avó Veio Trabalhar já conta com 70 avós que nasceram para serem empreendedoras — e o projecto já pisca o olho ao Avô. Amanhã é Dia Internacional do Idoso.
A frase está estampada num dorsal, costurado nos casacos de ganga sem mangas. "Old is the New Young". Os membros não pertencem a um moto clube, nem são groupies de uma banda. "É quase como se pegássemos nas avós e lhes tirássemos a idade. De repente elas são miúdas de 20 anos, batom vermelho e lenços na cabeça", explica Susana António, fundadora orgulhosa do projecto A Avó Veio Trabalhar. "É preciso dar uma chapada à sociedade. A idade não é uma coisa má. Sempre achei que a idade é um superpoder."
A Avó é uma up criativa para pessoas com mais de sessenta anos. Tem um espaço próprio (na rua do Poço dos Negros, 124, Lisboa) e cerca de 70 avós que não param quietas. "A Avó veio mudar o paradigma do que as pessoas acham que é envelhecer. Não é uma maldição, mas algo que deve ser saboreado, desejado e algo que merece ser vivido em pleno", resume Susana, que o PÚBLICO encontrou no ESTAU, Festival de Arte Urbana de Estarreja com direito a uma campanha bordada à medida. "O que é bom demora tempo", lê-se numa das t-shirts estampadas e cortadas pela equipa de avós. Aqui, "tagar de agulha é o que está a dar". Aqui, "velhas são as paredes". Aqui, a juventude não é obrigatoriamente sinónimo de criatividade. "Olha lá... cheiras a leite".
"Estamos onde normalmente estão as pessoasais novas", aponta Susana, que conduz as avós por um roteiro que percorreria com as amigas (Bons Sons, Moda Lisboa, Fashion Revolution, Indie, Doc Lisboa, Queer, Arraial da ILGA...). "Fugimos dos eventos que são só para a caixinha dos mais velhos". Vão em excursão — como daquela vez, a caminho de Cem Soldos em que o autocarro foi parado pela polícia para ver se havia drogas a bordo — e fazem-se notar. "Alguém dizia no outro dia que o que nós gostamos não é das excursões da terceira idade, mas das viagens de finalistas". Não dão ponto sem nó. Imprimem fotos em tecido e bordam-nas, reinventam as linhas, agulhas, tecidos, lavores domésticos e técnicas antigas, desenvolvendo novos produtos com base no home decor apetecíveis por pessoas dos 20 aos 40. "Valorizamos essa mestria. E celebramos as pessoas. Em vez de seres um velho que é posto de lado e já não importa, és alguém com quem as pessoas querem tirar selfies. E o que tu fazes é importante. E o teu trabalho, com preços dignos como em qualquer outra loja, é muito dignificado". Já há peças em Nova Iorque, em Paris...
Há muito que A Avó estava na cabeça de Susana António, que estudou nas Belas Artes antes do Erasmus em Milão. "Deslumbrada" num primeiro momento com o Design Industrial, aos poucos foi percebendo que não seria dentro de uma fábrica que colocaria as ferramentas criativas ao serviço das pessoas. Voltou "baralhada" para Lisboa, onde fez voluntariado num lar, no Beato. "O que eu senti ao longo do voluntariado, ainda não sabia que estava a fazer design social, é que os processos criativos e colaborativos estavam a fazer o grupo desabrochar de uma forma diferente dos restantes grupos do centro ocupacional", conta Susana. "É preciso dar um palco a estas pessoas escondidas. Invariavelmente, as pessoas mais velhas que estão institucionalizadas estão escondidas e é preciso celebrá-las". Cumpridas algumas etapas profissionais (ExperimentaDesign, Câmara Municipal de Cascais, Gulbenkian...), a jovem empreendedora foi percebendo o muito que há para fazer na área do envelhecimento e que "às vezes basta olhar de outra maneira para o problema e encará-lo quase como uma oportunidade". Em 2013, durante um projecto em Chelas com desempregados de longa duração, Susana conheceu o psicólogo Angelo Campota, hoje seu namorado e co-fundador da Avó. Empatia imediata. "Sentimos que pensamos da mesma maneira relativamente à intervenção social". Juntos criaram a Fermenta ("Queríamos ser nós a escrever as candidaturas, os projectos de raiz, porque temos muita noção do trabalho no terreno"), associação que conseguiu um financiamento de 34 mil euros do programa BipZip (Bairros e Zonas de Intervenção Prioritária de Lisboa) e que já estou a piscar o olho ao Avô Veio Trabalhar (vai ser no LX Factory).
"Nasci para ser empreendedora", exibe hoje A Avó. "We incubate grannies", anunciam nas redes sociais. "Uma pessoa de idade não é uma pessoa vestida de preto, curvada e triste. Os novos também estão curvados de vez em quando e tristes de vez em quando. Pessoas são pessoas", sublinha Susana António, que já assistiu a verdadeiras transformações visuais e de mentalidade à volta de uma mesa de bordado. "Os lavores domésticos são uma ferramenta maravilhosa para a sociabilização. Graças à agulha e ao tricot, as relações afectivas vão sendo tecidas. Criam-se relações que vão muito para além do workshop. As relações ficam. Há qualquer coisa neste fazer à mão que nos faz abrandar. Tudo o que te distrai desaparece e ficas focado na relação humana", reforça Susana, com uma tatuagem "old is beautifull". "Sempre achei que a idade é um superpoder e a minha avó Florinda era uma super-mulher. Sempre achei que as rugas, o que é antigo, os velhinhos são a coisa mais maravilhosa do mundo. Só vou descansar quando ninguém tiver vergonha de dizer a sua idade e quando os jovens não tiverem medo de projectar o seu pensamento e imaginarem-se com 80 e 90 anos. Os mais velhos olham para o que perderam, mas não conseguem construir um futuro, um projecto de vida para si próprios. Aqui, as pessoas ganham mais auto-estima, arranjam-se, maquilham-se, aceitam desafios diferentes. Têm uma hipótese de futuro. Se tu protegeres demasiado, as pessoas deixam de crescer. É como as crianças. Se tu não lhes deres liberdade e se as colocares numa redoma de amor e carinho, elas não vão ser adultos independentes e as pessoas maravilhosas que poderia ser. Porque estagnam. Com os mais velhos é exactamente a mesma coisa. Elas têm medo, nós também. Mas quando superam esses obstáculos, descobrem que são muito maiores do que aquilo que achavam que eram."
Susana sabe que "não há nenhum passe de mágica" (a Trupe Sénior, do Chapitô, ou o Lata 65 são outros truques de ilusionismo), que "ser velho é sexy", que "nobody puts grannie in the corner".
És jovem e também queres fazer parte desta aventura? Temos pena, és muito novo, vais ter que esperar.