Auditoria à Segunda Circular não foi isenta, acusa empresário visado
Num e-mail enviado a Fernando Medina e tornado público pelo PAN, Jorge Sousa diz que mantém um conflito há vários anos com um dos membros da comissão. Vereador diz que houve uma declaração prévia de interesses que garante idoneidade do processo. Helena Roseta manda tudo para o Ministério Público.
O dono da empresa que está no centro do cancelamento das obras na Segunda Circular acusa um dos membros da comissão de inquérito levantado pela Câmara Municipal de Lisboa de não ter a devida isenção para avaliar o processo. Jorge Sousa, responsável pela Consulpav, enviou um e-mail a Fernando Medina na terça-feira com cartas e recortes de jornais que mostram que o empresário tem divergências há vários anos com Luís Machado, que foi um dos autores da auditoria conhecida na semana passada.
Essa auditoria concluiu que a Consulpav, empresa que fez o projecto de pavimentação para a Segunda Circular, era também fornecedora de um dos materiais que propôs. E que, devido à forma como prestou esclarecimentos sobre o referido material, a Consulpav “limitou ou condicionou” os empreiteiros interessados na obra. A auditoria não conseguiu provar que esse material – chamado RAR – fosse vendido exclusivamente em Portugal pela Consulpav, mas salientou que, nas diversas averiguações feitas, parecem existir ligações entre os possíveis forncedores desse componente e a Consulpav ou o dono da mesma, Jorge Sousa.
Ora, Jorge Sousa põe em causa a auditoria. “Junto envio documentos que podem ajudar o sr. presidente a avaliar da possibilidade de isenção de uma opinião do sr. engenheiro Luís Machado sobre a minha pessoa”, escreveu o empresário no e-mail para o gabinete de Medina – e que o PAN tornou público esta quinta-feira durante uma sessão da Assembleia Municipal de Lisboa. “Penso que teria sido de boa ética ele ter-se recusado a participar na comissão de inquérito. Não seria de nomear outra?”, questiona ainda Jorge Sousa na missiva.
Os documentos agora revelados parecem mostrar que terá existido um conflito entre Jorge Sousa e Luís Machado pelo menos a partir de 2004, quando o primeiro era administrador da Recigroup (uma empresa de reciclagem) e o segundo estava ligado à Águas de Portugal.
Ao apresentá-los à assembleia municipal, o PAN alegava “existirem indícios fortes de conflito de interesses quanto a um dos principais responsáveis” da comissão que fez a auditoria e, por isso, pedia à câmara para “anular as conclusões”. “Poderão ver todos o que é conflito de interesses”, disse o deputado do PAN, Miguel Santos, em plenário. “Se o projecto da Segunda Circular é conflito de interesses, esta situação é um conflito de interesses pegado”, afirmou.
O vereador das Finanças desvalorizou a situação. “Do processo faz parte uma declaração de interesses do engenheiro Luís Machado em que diz que teve um conflito com o dono da Consulpav”, explicou João Paulo Saraiva ao PÚBLICO. “Considerámos que não havia nenhuma matéria para pedirmos outro perito”, acrescentou. Aos deputados, o vereador já tinha afirmado que Luís Machado integrou a comissão porque “foi solicitado um nome à Ordem dos Engenheiros, que indicou aquele que lhe pareceu ser o engenheiro mais capacitado para proceder a este inquérito”.
“Acho de muito mau tom que se ponha em causa a idoneidade das pessoas que fazem parte dos júris ou grupos de trabalho da câmara”, disse ainda João Paulo Saraiva, em resposta às interpelações do PAN, mas também do PSD e do BE, que se uniram no voto favorável (juntamente com CDS e MPT) à proposta do PAN. Ela acabou por ser rejeitada e, no fim da sessão, Helena Roseta informou que iria enviar os dados revelados pelo partido ao Ministério Público.
Aprovado foi um relatório que considera que a câmara agiu bem ao mandar cancelar as obras de requalificação da Segunda Circular. “Há uma parte que nós temos de melhorar claramente: temos de ter mecanismos para intervir mais cedo no processo” e, assim, evitar eventuais irregularidades, disse João Paulo Saraiva ao PÚBLICO. Essa foi uma das principais críticas de PSD e BE, que acusaram o executivo socialista de ter agido demasiado tarde perante as suspeitas. E, acrescentaram, de apenas o ter feito por alegadamente se ter apercebido de que as obras não iam estar prontas a tempo das eleições.