A insustentável leveza da nossa segurança

Por agora, tudo o que podemos esperar são incendiários apostados em projeções que mantenham o incêndio político bem ativo.

Por estes dias a segurança é tema obrigatório. O trágico incêndio de Pedrógão Grande e o roubo de armas de um paiol militar em Tancos vieram trazer-nos, neste começo de férias, a preocupação com questões de segurança. É lógico que assim seja, sendo sabido que as desgraças perturbam e atraem.

Também era sabido que de imediato haveria debates, discussões, acusações e, sobretudo, um mar de atrevidos ignorantes na matéria capazes de desfazer de uma penada qualquer opinião fundamentada dos verdadeiros especialistas.

Raramente encaramos a segurança como uma coisa pessoal, em que somos o princípio e o fim, e nestes tempos de fácil indignação e de intensa divulgação de notícias falsas, em que não há político que não seja uma besta, e em que exigimos mais descentralização e transparência, sempre que há um acontecimento que põe a nu as nossas fragilidades corremos de imediato a exigir responsabilidades às cúpulas e a reivindicar políticos dotados de sabedoria, que tantas vezes renegámos.

Uma coisa é certa, em termos individuais nenhum de nós alguma vez contribuiu para a insegurança coletiva e se a merda do nosso cão fica a ensebar o passeio é porque há coisas da natureza que é impossível evitar.

Hoje a segurança é considerada nos mais diversos aspetos da nossa vida coletiva e é relevante o progresso que houve no que toca à segurança rodoviária, à segurança no trabalho, à segurança alimentar, à segurança nas praias, etc., mas quando se vai fazendo o caminho do futuro e se considera a dimensão das transformações na nossa vida coletiva não podemos deixar de nos interrogar sobre determinadas inseguras realidades.

Por exemplo, neste mundo de especialização e profissionalização não deixa de ser curioso que um dos pilares fundamentais da nossa estrutura de proteção civil e de combate aos incêndios seja constituído por bombeiros voluntários.

Curioso e perturbador, uma solução de orgulhosamente sós, que é paradoxal dado que onde se torna mais necessária a existência de bombeiros devidamente preparados para combater os fogos florestais é no interior do país, onde há cada vez menos população e a existente está cada vez mais envelhecida, rareando por isso o universo de recrutamento.

Aliás, um instrutivo passatempo de férias será o de fazer um diagrama das movimentações dos bombeiros voluntários, que vão do sul ao norte e do litoral ao interior combater os incêndios, gastando, não raras vezes, mais tempo nas deslocações do que no combate, porque quando chegam ou já ardeu tudo ou o incêndio está quase apagado.

Também não deixa de ser interessante ver como muitas corporações de bombeiros voluntários da beira-mar, nalguns casos com reduzidas manchas florestais, estão melhor equipadas para o combate aos incêndios florestais do que os bombeiros do interior.

Mantemos um exército profissional, fundamentalmente por questões de soberania, que não desejamos seja chamado a disparar um tiro, mas os soldados da paz que são permanentemente chamados a combater calamidades são quase exclusivamente voluntários, por vezes com dificuldades de treino e sem as armas mais adequadas aos combates que têm de travar.

Esta é uma questão de segurança que algum dia temos de começar a pensar com coragem. Hoje é tema tabu por diversas razões, algumas boas, outras nem tanto, mas fundamentalmente por motivos político-partidários.

Por agora, que começámos a “Fase Charlie do Dispositivo de Combate a Incêndios”, tudo o que podemos esperar são incendiários apostados em projeções que mantenham o incêndio político bem ativo e que tudo farão para evitar um contido rescaldo e um sereno debate sobre o assunto.

Finalmente já se percebeu que vêm aí coisas muito importantes como o futebol, as tricas partidárias, os amores e os desamores de uns tantos, e que de repente serão arrumados na prateleira do esquecimento os grossos volumes de sapiência real e fictícia produzida sobre a questão da segurança. E continuaremos a ser voluntários e solidários!

 

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