Foi a corrupção que fez cair Collor de Mello, mas por meios diferentes
Antigo Presidente brasileiro foi acusado do crime de responsabilidade e julgado pelo Senado. Nunca foi condenado pelos tribunais.
Ao acusar Michel Temer de corrupção passiva e enviar o caso para o Supremo Tribunal Federal, o procurador-geral brasileiro abriu uma porta que pode mais tarde conduzir à destituição do Presidente por decisão judicial. Um processo distinto do que levou ao impeachment de Fernando Collor de Mello, ainda que as acusações contra ambos não sejam muito diferentes.
Foi logo no início do mandato, em 1989, que as suspeitas de corrupção começaram a pairar sobre o primeiro Presidente eleito directamente após a ditadura. Mas a bomba só explodiu em Maio de 1992, quando numa entrevista à Veja, o irmão do Presidente acusou Paulo César Farias, o antigo tesoureiro da campanha de Collor de Mello, de liderar um esquema de corrupção e tráfico de influências, que teria no chefe de Estado um dos principais beneficiários.
Já fragilizado pela grave crise económica e sem poder contar com o apoio dos grandes partidos, Collor enfrentou a cólera das ruas, na mesma altura em que o Congresso criava uma comissão de inquérito que concluiria que o Presidente beneficiou do esquema ilegal, desonrando o cargo.
Tal como viria a acontecer com Dilma Rousseff – afastada do cargo em 2016, sob acusação de manipulação orçamental –, Collor foi destituído num processo exclusivamente político. Acusado do crime de responsabilidade, que abrange ilícitos cometidos por titulares de cargos públicos no decorrer dos seus mandatos, foi afastado da presidência depois de a Câmara dos Deputados aprovar o processo de impeachment. Acabaria por renunciar ao cargo em Dezembro, dias antes de ser condenado pelo Senado.
A justiça, ao contrário do que agora acontece, não foi tão célere e o ex-Presidente nunca chegou a ser condenado em tribunal. Já em 2014, após inúmeros adiamentos e manobras processuais, o Supremo absolveu-o por falta de provas num caso em que era acusado de peculato e corrupção passiva, por falta de provas. Terminados os oito anos de impedimento a que tinha sido condenado pelo Senado, voltou a ser eleito em 2006, desta vez como senador pelo estado de Alagoas, estando desde 2015 a ser investigado no âmbito do megaprocesso de corrupção Lava Jato.
Numa entrevista em 2012 ao jornal Estado de São Paulo, o historiador Francisco Carlos Teixeira, dizia acreditar que, se fosse hoje, Collor de Mello teria sido condenado. A lei se aperfeiçoou muito”, diz o especialista, explicando que o entendimento actual dos crimes de formação de quadrilha [organização criminosa] e co-autoria se baseia na noção de que “os envolvidos, mesmo sem prova material da sua acção, não podem deixar de saber o que estava acontecendo”.