As boas notícias vindas de França
Os eleitores estão realmente fartos dos partidos tradicionais, que se têm mostrado imunes à reforma, mas isso não significa obrigatoriamente colocar o voto em partidos de extrema-direita ou de extrema-esquerda
Já estou como António Costa: demasiado pessimismo aborrece. As pessoas estão tão habituadas a discursos catastrofistas sobre a Europa e o fim da União Europeia (depois do Brexit, inventaram o Frexit) que quando acontecem coisas manifestamente boas têm dificuldade em acreditar nelas. Ora, aquilo que se passou em França neste domingo, com a vitória de Emanuel Macron, é uma excelente notícia, que nos deveria alegrar a todos. Há várias razões para isso, mas eu limito-me a duas.
Em primeiro lugar, as consequências do atentado nos Campos Elísios. Ainda se lembram? Três dias antes das eleições, com um polícia morto a tiro no coração de Paris, não se ouvia falar noutra coisa senão no “medo”. Os correspondentes das televisões amontoavam-se debaixo do Arco do Triunfo para nos garantirem que Marine Le Pen seria a grande beneficiada por mais este terrível ataque terrorista. E, no entanto, a influência do atentado no resultado das eleições foi zero. Marine Le Pen acabou no lugar que as sondagens lhe atribuíam há muitas semanas, com a percentagem prevista (21,3%), que é muito significativa, claro, mas não mais que 4,5 pontos superior àquela que o seu pai obteve em 2002.
Não quero desprezar o perigo que representa a Frente Nacional, até porque a França xenófoba tem uma longa e triste tradição, e muito menos quero desvalorizar a barbárie do terrorismo islâmico. Mas o “medo”, apesar de tudo, está sobrevalorizado. Sim, qualquer um de nós sabe que pode ser vítima de um atentado numa capital europeia. Não, a intensidade dos ataques não tem sido suficientemente forte para que as pessoas deixem de sair à rua ou de viajar em liberdade. Os atentados começaram por envolver grandes meios logísticos, passaram para ataques com camiões e agora já vamos no lobo solitário que dispara uma caçadeira contra um polícia. Isto não é o fundamentalismo a ganhar. Pelo contrário, são as autoridades que o combatem a vencer. E o discurso xenófobo, se atrai um quarto da população francesa, afasta três quartos. Ele é, por si só, insuficiente para Marine Le Pen chegar ao Eliseu.
A segunda nota positiva é esta: como se viu pela vitória de Macron, os candidatos de fora do sistema não são necessariamente extremistas ou populistas. E esta, caros leitores, é a melhor notícia de todas, porque muito boa gente garantia que a decadência dos partidos tradicionais iria necessariamente pôr as democracias europeias nas mãos dos xenófobos, dos chavistas ou dos palhaços. Em bom rigor, a própria Espanha já tinha demonstrado o erro dessa tese, com o sucesso do movimento Ciudadanos, centrista e civilizado. Contudo, aquilo com que nos martelavam a cabeça era o pré-anúncio do apocalipse via emergência inevitável de partidos/movimentos como o 5 Estrelas em Itália ou o Podemos em Espanha, isto já para não falar na vitória de Donald Trump.
Como encaixar Emmanuel Macron neste molde? Esqueçam. Ele não encaixa. Macron significa isto: os eleitores estão realmente fartos dos partidos tradicionais, que se têm mostrado imunes à reforma, mas isso não significa obrigatoriamente colocar o voto em partidos de extrema-direita ou de extrema-esquerda. As pessoas querem a mudança – mas ela pode surgir ao centro, desde que o seu protagonista seja mobilizador. Claro que Marine Le Pen é assustadora. Mas a grande novidade de domingo é a vitória do mais europeísta e ponderado dos candidatos presidenciais. As más notícias seguem dentro de momentos – por agora, gozemos as boas.