Fazer-se de louco pode ser uma estratégia eficaz
A imprevisibilidade de Trump provou ser eficaz durante a campanha. Agora está a revelar-se como uma das maiores fraquezas da política externa norte-americana.
Durante a campanha eleitoral para as presidenciais norte-americanas, os meios de comunicação social adoravam a imprevisibilidade de Donald Trump. O que é que o candidato maluco ia fazer a seguir? Trump gostava de exercer esta abordagem na arena política mas também a nível global, ao exigir uma política externa “imprevisível”. “Somos completamente previsíveis. Contamos tudo. Vamos enviar tropas? Dizemos-lhes. Vamos enviar outra coisa? Fazemos uma conferência de imprensa. Temos de ser imprevisíveis e temos de ser imprevisíveis a partir de agora”, declarou Trump num discurso em 2016.
Nas últimas semanas, tem havido um novo foco neste compromisso, com Trump a mudar de posição quase diariamente. Trump declarou que, apesar das suas afirmações anteriores, a NATO “já não é obsoleta”. Não quer declarar a China uma manipuladora de moeda. Apesar de ter passado meses (e até anos) a exigir uma cooperação com a Síria e a Rússia para combater o Estado Islâmico e apelar à doutrina “América em Primeiro Lugar” marcada pelo cepticismo em relação às regulações internacionais, Trump ordenou um ataque de mísseis na base aérea de Shayrat, na Síria, como retaliação por o regime de Bashar Al-Assad ter usado armas químicas contra civis. Neste momento, o secretário de Estado Rex Tillerson e Nikki Haley, a embaixadora dos EUA junto da ONU, discordam visivelmente sobre se a Administração americana irá continuar a política de Barack Obama e exigir que Assad seja removido do poder.
Há muitos precedentes para retrocessos e mudanças. É frequente as novas administrações ajustarem as suas políticas, de modo a lidar com as realidades complexas dos assuntos internacionais ou com vagas de mudança na política interna. No entanto, poucas enalteceram abertamente a imprevisibilidade ou se contradisseram com tanta leviandade como a Administração Trump. O Presidente e os seus apoiantes defendem que ter uma reputação de imprevisibilidade vai fazer com que os outros pensem duas vezes antes de se meterem com os Estados Unidos.
Mas a imprevisibilidade não é uma força. Para uma grande potência como a América, é uma receita para a instabilidade, a confusão e danos auto-infligidos aos interesses americanos no estrangeiro.
“Teoria do louco”
Alguns comentadores relacionam a defesa da imprevisibilidade por parte de Trump com a chamada “teoria do louco”: a tentativa de Richard Nixon de convencer os rivais – incluindo os norte-vietnamitas e a União Soviética – de que ele era impulsivo e imprevisível. Hanói e Moscovo nunca ficaram completamente convencidos da posição de Nixon. Porém, a teoria do louco também não era como a imprevisibilidade de Trump. Nixon queria convencer os adversários de que era irracional, mas consistente, no que dizia respeito a calcular as desvantagens do uso da força.
Veja-se a estratégia “à beira do abismo” face às armas nucleares durante a Guerra Fria. Um líder “racional” nunca arriscaria a extinção nuclear por causa de um assunto de menor importância. De facto, é difícil imaginar uma disputa, em particular que fosse digna de um Armagedão nuclear, especialmente uma que não ameaçasse directamente o solo americano. Isto faz com que algumas pessoas questionem se este factor de dissuasão tem algum valor.
Então, como é que se tornava credível a ideia de que os Estados Unidos iriam arriscar uma guerra nuclear por causa da Alemanha de Leste ou do Japão, ou mesmo (como Nixon ponderou) do Vietname ou de Israel? Nixon pensava que podia ajudar a criar a impressão de que ele era irracional – mas no sentido de ter tendência a acções impulsivas e desproporcionadas, sem pensar nos custos. Não havia nenhuma imprevisibilidade nas suas preferências políticas ou nos seus objectivos subjacentes.
Esta estratégia era apelativa, em grande parte, porque algumas das situações que Nixon enfrentou não eram propícias às soluções-padrão. No contexto da dissuasão e coerção nuclear – central para os cálculos de Nixon –, a abordagem típica seria tornar uma resposta nuclear mais ou menos automática. As políticas deste tipo são formas de chegar ao acto de “atirar o volante pela janela fora” num “jogo da galinha” na Teoria dos Jogos [em que dois opositores avançam um contra o outro em linha recta: se nenhum dos dois opositores sair da frente, eles colidem, mas quem cede e sai da frente primeiro é considerado o “perdedor”]. Elas mostram ao opositor que não podemos sair da frente – que iremos, metafórica ou literalmente, lutar até à morte.
Não havia garantias de os Estados Unidos utilizarem armas nucleares por causa de Berlim, mas a presença de tropas americanas na cidade tornava claro que Washington estaria sob uma pressão enorme para “fazer alguma coisa” depois da morte de milhares de americanos. Isto deixava vários caminhos em aberto para um ataque a Berlim gerar uma espiral de descontrolo. Como apontou o famoso teórico nuclear Thomas Schelling sobre as tropas em Berlim: “O que é que podem fazer 7 mil tropas americanas ou 12 mil tropas aliadas? Francamente, podem morrer. Podem morrer de maneira heróica, dramática e de maneira a garantir que a acção não pode parar ali.”
Portanto, o “detonador” que era presença americana em inferioridade em Berlim reforçava a dissuasão. Ao colocar tropas num local onde poderiam ser sacrificadas facilmente, Washington mostrava que simplesmente não tinha escolha a não ser o agravamento do conflito. Pode-se associar este comportamento a um louco, mas isto é precisamente o contrário da imprevisibilidade. O acto de atirar o volante pela janela fora faz com que a consequência de não sair da frente seja completamente previsível.
Impor uma linha vermelha
Em forte contrapartida, a imprevisibilidade de Trump muitas vezes mina a diplomacia coerciva. O que teria acontecido se a Administração Trump tivesse deixado claro que o uso de armas químicas contra civis na Síria iria resultar numa acção militar americana? Ou se Trump e os seus conselheiros mais próximos não tivessem indicado, repetidas vezes, que preferiam trabalhar com Assad do que contra ele? Nunca saberemos. Mas uma ameaça de retaliação inequívoca poderia ter dissuadido o uso de armas químicas.
Visto desta perspectiva, o ataque americano parece um fracasso da diplomacia coerciva e não um sucesso. Apesar de Trump ter demonstrado que está disposto a usar a força ao atacar a base aérea de Shayrat, a única maneira de este ataque reduzir as oportunidades de o regime de Assad usar armas químicas no futuro é se o regime acreditar que Trump é previsível e que qualquer uso futuro irá causar outro ataque.
Do mesmo modo, fugas de informação vindas da Administração sugeriram que se Pyongyang testasse uma arma nuclear no fim-de-semana passado, os Estados Unidos lançariam uma acção militar contra a Coreia do Norte. Outros membros da Administração recuaram nestas ameaças, criando – pelo menos, em público – uma ambiguidade significativa sobre as possíveis acções americanas. Na segunda-feira, o vice-presidente Mike Pence avisou que a Coreia do Norte não deveria testar a determinação dos americanos, mas que os Estados Unidos estão dispostos a dialogar. Digamos que Trump pretende, de facto, retaliar caso a Coreia do Norte teste outra arma nuclear. A imprevisibilidade desta situação faz com que seja mais (e não menos) provável que Pyongyang dê início a um teste. Afinal, não pode ter a certeza de que Trump iria, de facto, usar a força.
Há situações em que isto pode beneficiar os decisores políticos americanos. Se Washington pretender dissuadir um adversário, mas não quiser usar a força, então deixar que a ameaça seja ambígua reduz os custos políticos de um recuo, impedindo os opositores internos de os acusarem de ter medo de impor uma linha vermelha. Se o objectivo é impedir o adversário de dar qualquer passo provocatório – mesmo os que não se aproximam daquilo que se consideraria motivo para usar a força ou aplicar sanções –, então a introdução de alguma imprevisibilidade sobre aquilo que desencadearia uma resposta poderá ser boa ideia.
O problema é que a ambiguidade pode encorajar o adversário a sondar a nossa determinação e a testar os limites dos nossos interesses, ao mesmo tempo que torna mais difícil indicar claramente quais são as acções que vão longe de mais e que representam, de maneira credível, um convite à retaliação. Por exemplo, na ausência de sinais claros sobre o que os Estados Unidos estão dispostos a tolerar e perante sinais confusos sobre os interesses americanos, Pyongyang pode sentir-se tentada a iniciar uma série de incidentes de baixo nível, concebidos para testar os limites da tolerância americana. É fácil imaginar que uma dessas acções – como afundar ou capturar um navio ou um drone – irá ultrapassar um limite e assim incitar uma resposta agressiva ao que é entendido como uma afronta. A ironia de um cenário destes é que Pyongyang poderia afastar-se deste tipo de acções se conseguisse prever com alguma confiança qual seria a reacção dos Estados Unidos.
Os compromissos envolvidos na ambiguidade estratégica são difíceis, mas a imprevisibilidade trumpiana parece não os ter em conta de forma alguma. Nenhum cálculo político racional para os Estados Unidos é favorável a retrocessos súbitos nas políticas, à incapacidade de comunicar interesses ou preferências consistentes, a sinais confusos constantes ou às outras formas de “flexibilidade” que estão actualmente em cima da mesa. A imprevisibilidade de Trump é uma estratégia que traz mais benefícios a estados fracos que enfrentam inimigos muito superiores.
Os loucos vencem sempre os grandes
De facto, Trump poderia fazer mais sentido se fosse o líder da Coreia do Norte e não o da América. Na série de televisão A Vida é Injusta, o pai, Hal, explicou assim aos filhos a estratégia para as lutas no recreio: “Os loucos vencem sempre os grandes.” Os loucos lutam com mais força, de maneira mais suja e preocupam-se menos com as consequências. Sem dúvida que a Coreia do Norte ganha alguns benefícios com a percepção comum de que os seus líderes são loucos. Os Estados Unidos têm a capacidade de aniquilar completamente a Coreia do Norte várias vezes. Mas o mero risco de que a “louca” Coreia do Norte estaria disposta a arriscar a destruição total, arrastando consigo grande parte da Coreia do Sul e das tropas americanas aí sediadas, tem contribuído para dissuadir Washington de ter acções preventivas na península coreana.
Mas, neste cenário, os Estados Unidos são um dos miúdos grandes no recreio. À excepção (limitada) das outras grandes potências nucleares, Washington pode infligir mais danos – económicos, diplomáticos ou militares – a qualquer outro Estado do que estes podem infligir aos Estados Unidos. Parte deste grande poder deriva directamente da rede alargada de aliados e parceiros estratégicos da América, que nenhum dos seus rivais consegue igualar.
Portanto, a imprevisibilidade acarreta riscos enormes para os Estados Unidos. Isto também é verdade para a irracionalidade calculada de Nixon, mas aplica-se muito mais à imprevisibilidade de Trump. Os rivais e aliados podem facilmente interpretar os sinais confusos vindos de diferentes vozes na Administração e os retrocessos frequentes nas políticas de relevo como prova de que o Presidente não é sincero no que diz, de que não sabe o que está a fazer ou que pode mudar de ideias por capricho. A intencionalidade que gera incerteza reduz a credibilidade dos compromissos existentes.
Desfazer a rede de alianças da América ao minar a confiança em Washington é, provavelmente, a pior maneira de implementar uma política “América em Primeiro Lugar”. Isto prejudica uma fonte principal da força americana, sem ganhar benefícios que poderiam surgir de uma retracção estratégica – ou seja, tomar decisões deliberadas sobre que compromissos são essenciais para a segurança da América e quais podem ser dispensados, ao mesmo tempo que se dão passos no sentido de garantir que a redução destes compromissos não prejudica interesses e alianças vitais.
A imprevisibilidade de Trump cria mais problemas do que soluções. Por vezes, fazer-se de louco pode ser uma estratégia eficaz, especialmente para agentes mais fracos que têm um conjunto mais reduzido de objectivos minimalistas – como a sobrevivência ou a autonomia. Mas se um Estado tiver objectivos mais expansivos e amplos recursos para os atingir, como é o caso dos Estados Unidos, a imprevisibilidade é uma má abordagem à estratégia alargada. É difícil os outros seguirem o nosso exemplo quando não sabemos quais são os nossos objectivos.
É menos provável que os parceiros fiquem do nosso lado se não confiarem em que iremos ficar do lado deles. Se Trump pretende que a América continue a ser uma potência dominante e se quer que os outros respeitem os interesses americanos no resto do mundo, ele precisa de reforçar a credibilidade da América. Isto exige uma boa dose de previsibilidade: não as atitudes de um “Estado vilão” imprevisível.
Exclusivo PÚBLICO/ Washington Post Syndication / Foreign Policy
Dani Nedal é doutorando na Universidade de Georgetown e professor em Yale. Daniel Nexon é professor em Georgetown
Tradução de Rita Monteiro