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O "sucesso" de Manuel Dias Loureiro

Querer arvorar-se em vítima e dizer que foi alvo de um processo que revela o ódio dos portugueses pelo sucesso só pode ser uma anedota.

Em mais um notável harakiri, a Justiça abriu a página ao milagre da transformação de Dias Loureiro de vilão em vítima. O responsável por negócios ruinosos que hoje estão a ser pagos pelos contribuintes, não foi acusado no âmbito de um inquérito que durou oito anos porque, "não obstante as diligências realizadas, não foi possível reunir prova suficiente". Mas, para que não ficássemos a pensar que a impotência da investigação se deve à incompetência dos que a conduziram ou, quiçá, do próprio sistema de Justiça, o despacho de arquivamento entra em delírio ao sinalizar que "subsistem as suspeitas, à luz das regras da experiência comum" que apontam para o facto de que “o objectivo dos negócios foi tão só o enriquecimento ilegítimo de terceiros à custa do prejuízo do BPN, nomeadamente de si e do Dr. Oliveira e Costa..." Foi o suficiente para que meio mundo se empenhasse a vituperar (com razão) a Justiça e a manifestar dor e dó (sem causa) pela triste sina de Dias Loureiro.

Não há que duvidar: num estado de Direito, só os tribunais podem determinar culpabilidade ou inocência face ao que estipula a lei. E como entre uma e outra condição não pode haver zonas cinzentas, o despacho do Ministério Público é uma aberração. Mas na vida pública há muita vida para lá da que a esfera da lei aceita ou proíbe. Há margem para que cada um de nós formule juízos sobre ex-ministros baseados nos danos causados pelos seus actos à comunidade. E, principalmente, há margem para que cada um de nós possa fazer um juízo moral sobre as cavalgadas de políticos que ficam subitamente milionários e passam a fazer negócios com empresários misteriosos (para sermos simpáticos) com interesses em Marrocos ou em Porto Rico. Dias Loureiro é inocente à face da lei, mas é culpado pelo seu envolvimento em operações obscuras que fazem parte de uma tragédia, a do BPN, que vai custar ao país seis ou sete mil milhões de euros. Ignorar esta realidade é alimentar a cultura de relativismo e condescendência que ajudou a criar a desgraça em que vivemos.

Ao deixar no ar a ideia de que foi apenas a complexidade dos procedimentos ou os labirintos processuais a determinar o arquivamento do inquérito, o Ministério Público investe-se do papel de um zelador dos costumes empenhado em orientar o rebanho para uma sentença cívica ou moral. Um abuso das suas competências e, obviamente, uma estupidez. Dias Loureiro percebeu-o. E numa entrevista ao Diário de Notícias, onde teve todo o espaço do mundo para se fazer de vítima e quase espaço nenhum para explicar os negócios da Biometrics ou da Redal, tratou de explorar esse flanco. “O efeito que se pretende é que a opinião pública [me] continue a condenar”, disse. E condenar porquê? Porque “em Portugal há um pecado que não tem perdão, que é o ter sucesso”, acrescenta Dias Loureiro. Sucesso? Que sucesso?

Dias Loureiro fez o seu percurso depois de se formar e até ao momento em que telefonou ao pai a dizer que era ministro, nada indica que lhe tenham faltado empenho, trabalho árduo e mérito. Mas, um pouco à semelhança de outras criaturas do cavaquismo deslumbrado (nem é preciso falar de Duarte Lima), Dias Loureiro quis ter muito “sucesso”. Coisa que, bem se sabe, exige tempo e custa a conquistar. A menos que lhe fosse possível usar o capital político acumulado para gravitar nessa densa e estranha galáxia dos jogos de influência. Aí, o “sucesso” foi tanto que entre 2000 e 2007 Dias Loureiro conseguiu já arrecadar a simpática conta de 12,4 milhões de euros, lê-se no despacho de arquivamento do DCIAP citado por Luís Rosa no Observador. Estava portanto na hora de dar o salto. Qualquer arrivista ou candidato a arrivista gostaria de pisar os tapetes da grande arena da velhacaria nacional em que se transformou a banca e foi esse o destino de Dias Loureiro. À época, recorde-se, Oliveira e Costa ou Ricardo Salgado eram deuses que qualquer manga-de-alpaca com gula e rins para jogadas de risco gostavam de venerar.

A chegada à Sociedade Lusa de Negócios, que controlava o BPN, foi o culminar dessa ascensão imparável. Os negócios seriam em breve pensados à escala global, envolvendo figuras de filmes de série B como o negociante de armas libanês Abdul Al Assir ou o lobista norte-americano Paul Manafort, que se sabe ter canalizado financiamentos para a UNITA nos tempos de Jonas Savimbi. Ora, foi com uma destas personagens de exemplar currículo, com o libanês naturalizado espanhol, que Dias Loureiro urdiu o negócio de compra de 25% da Biometrics. Um negócio baseado numa “engenharia financeira extremamente complexa” e num conjunto de “práticas de gestão, que, a serem sérias, são extremamente pueris e desavisadas”, como notou o MP.  

Dias Loureiro poderá sempre dizer que fez tudo de boa-fé, que acreditava na bondade da tecnologia desse viveiro mundial de ciência e inovação que é Porto Rico, que, como o MP aceita, não cometeu ilegalidade alguma. Mas, foi imprudente, incompetente, opaco, suspeito e arrogante ao decidir avançar com o negócio contra os pareceres técnicos dos especialistas da própria Sociedade Lusa de Negócios ou contra teor de uma auditoria da consultora Arthur Andersen. Se o seu processo por branqueamento de capitais, fraude fiscal e burla foi arquivado por falta de provas, não escapa ao julgamento ético e cívico pela gestão danosa que exerceu no BPN –  crime que a lei reserva apenas para empresas públicas e cooperativas. Como se lê no despacho de arquivamento, “não era sequer necessário ter experiência em negócios desta dimensão, o que não era de todo o caso dos vários intervenientes, para ter uma noção muito clara, aquando da celebração dos contratos em causa: o prejuízo era inevitável”.

Querer por isso arvorar-se em vítima e dizer que foi alvo de um processo que revela o ódio dos portugueses pelo sucesso só pode ser uma anedota. Por muito que haja quem o emule, como em tempos fez Passos Coelho, Dias Loureiro carrega consigo o ónus de ter contribuído para a destruição de um banco que hoje continuamos a pagar, para o défice de transparência do mundo dos negócios ou para a degradação do clima de confiança que se exige numa sociedade decente. Ilibados como Dias Loureiro ou condenados como Armando Vara ou Isaltino Morais, há uma categoria de pessoas que quando aparecem irritam porque fazem regressar ao presente os tempos sombrios do novo-riquismo cavaquista ou do devaneio delirante do socratismo. Tempos que nenhum de nós quer repetir. Porque se inspiram em exemplos que não cabem na definição decente do que é a probidade, a transparência, a competência ou, caro doutor Dias Loureiro, o sucesso.

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