João Pina vence Estação Imagem com retrato de um Rio de Janeiro em crise
Uma reportagem que mostra o preço que o Rio de Janeiro pagou por ter acolhido o Mundial de Futebol de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 venceu o prémio principal do festival Estação Imagem, anunciado este sábado em Viana do Castelo.
O prémio de fotojornalismo Estação Imagem foi atribuído a João Pina pela reportagem Rio de Janeiro – Preço pelos Eventos Desportivos, que mostra as consequências negativas que os grandes eventos desportivos, como o Mundial de Futebol de 2014 ou os Jogos Olímpicos de 2016, acabam muitas vezes por ter para as cidades que os acolhem.
Anunciado este sábado de manhã em Viana do Castelo, onde decorre a oitava edição do festival de fotojornalismo Estação Imagem, dirigido pelo fotógrafo Luís Vasconcelos, o prémio a João Pina, no valor de três mil euros, foi decidido por um júri internacional presidido pelo director de fotografia da agência France Presse, Francis Kohn, e que incluiu ainda Bénédicte Kurzen, fotojornalista da agência internacional de fotografia Noor, sedeada em Amsterdão, Tyler Hicks, premiadíssimo fotojornalista do New York Times, e Andrei Polikanov, director visual da revista on line Takie Dela.
João Pina vive há 15 anos na América latina, circulando entre vários países, e vai frequentemente ao Brasil, e em particular ao Rio de Janeiro, onde começou já em 2007 a desenvolver um trabalho fotográfico centrado nos temas da violência urbana. O conjunto de imagens que venceu o prémio Estação Imagem é uma parte deste projecto, que deverá servir de base ao seu próximo livro, disse o fotógrafo ao PÚBLICO.
A reportagem agora premiada inicia-se nas vésperas do Mundial de Futebol de 2014 e prolonga-se até aos Jogos Olímpicos do Rio, em 2016. “Acompanhei o Mundial, mas não fotografei jogos nenhuns, só o que estava a acontecer na cidade, os desalojamentos, a violência urbana que foi aumentando, a famosa ‘pacificação’ de alguns lugares”, explica o fotógrafo. Um cenário que, agravado por “um terramoto económico e político, mergulhou a cidade numa crise gigantesca: os polícias não são pagos, os professores não são pagos, e o estádio do Maracanã, onde se investiram 500 milhões de dólares, está abandonado”.
Sublinhando que as suas imagens “não pretendem dar respostas, mas fazer perguntas”, João Pina diz que o seu trabalho pretende questionar o preço pago pelas cidades que recebem grandes eventos desportivos. “O que se passou no Rio não é novidade, Montreal e Atenas também tiveram problemas depois dos Jogos Olímpicos”.
Nascido em Lisboa em 1980, o fotógrafo é autor de trabalhos como Por Teu Livre Pensamento, que retrata as histórias de 25 presos políticos portugueses (foi editado em livro pela Assírio & Alvim em 2007), ou Sombra do Condor, que resgata a memória da Operação Condor, secretamente conduzida por várias ditaduras latino-americanas nos anos 70 para silenciar as respectivas oposições. Um projecto que o ocupou durante nove anos e que resultou na exposição Operação Condor, inaugurada em Dezembro de 2014 no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, no Brasil, e no livro Condor, lançado no mesmo ano pela Tinta da China, e que deverá ser reeditado em breve. No âmbito do programa Abril em Lisboa, da EGEAC, a exposição Operação Condor chega finalmente a Portugal, podendo ser vista a partir do próximo dia 20 no Torreão Poente da Praça do Comércio, onde permanecerá até meados de Julho.
João Pina já tinha sido premiado na edição inaugural do prémio Estação Imagem, em 2010, mas na categoria Vida Quotidiana, com o conjunto de imagens Gangland, que mostravam a violência na área metropolitana do Rio de Janeiro, uma reportagem geográfica e tematicamente próxima da que agora lhe valeu o prémio principal. “Muito contente” por ter ganho este prémio no seu país, onde já não vive há década e meia, o fotógrafo diz ter “uma estima muito particular pelo Estação Imagem, destaca o seu “respeitadíssimo júri internacional” e elogia os outros premiados deste ano, cujos trabalhos, diz, “têm todos uma força muito grande”.
Director do World Press Photo em Viana
Abertos a reportagens de fotógrafos portugueses, galegos e dos países africanos de língua oficial portuguesa, ou que residam nesses países, os prémios Estação Imagem são atribuídos em várias categorias temáticas, e incluem ainda o prémio Fotografia do Ano e o prémio Noroeste Peninsular – Caminhos de Santiago, este último criado quando o festival se mudou para Viana do Castelo, há três anos (antes disso funcionou em Mora). E o mesmo júri que escolhe os vencedores dos vários prémios selecciona também, em cada edição, o fotógrafo que receberá a bolsa anual Estação Imagem, que se destina a permitir que um fotojornalista possa desenvolver um projecto relacionado com o Alto Minho. Além da dotação monetária (quatro mil euros), a organização garante a publicação em livro do trabalho e a produção de uma exposição, a inaugurar no festival do ano seguinte.
O prémio Fotografia do Ano foi este ano atribuído a Felipe Carnotto por Incêndio, uma imagem que chama a atenção para o flagelo cíclico dos fogos florestais, e o prémio Noroeste Peninsular coube a Xoán A. Soler por uma reportagem (A Emoção da Chegada) sobre Juan Luis Marfil, um jovem de 20 anos com paralisia cerebral que, ajudado por um irmão, percorreu quase 800 quilómetros para reivindicar um Caminho de Santiago adaptado aos peregrinos em cadeira de rodas.
Nas categorias temáticas, o prémio Notícias foi ganho por Tiago Miranda com Mama Sumae, um trabalho sobre os cursos de comandos, e Ana Brígida conseguiu a façanha de ganhar em duas categorias, na de Assuntos Contemporâneos com 6 de Maio, trabalho publicado no PÚBLICO que mostra como muitos afro-descendentes vivem em condições miseráveis nos arredores de Lisboa enquanto o turismo impulsiona a economia da capital, e na de Ambiente, com Binóculos na Savana, uma reportagem no Kruger Park, na África do Sul, onde a fotógrafa, apanhada sem uma máquina fotográfica propriamente dita, recorreu ao seu telemóvel e a uns binóculos emprestados.
João Ferreira ganhou na categoria Vida Quotidiana com Arquipélago, um trabalho realizado em duas ilhas de Cabo Verde, e o prémio de Artes e Espectáculo destacou o trabalho Do Outro Lado, de Paulo Pimenta, que documenta as várias etapas de criação de um espectáculo de dança com reclusos da cadeia de Santa Cruz do Bispo, no âmbito do projecto ECOAR, da associação PELE. O fotojornalista do PÚBLICO já tinha vencido o prémio principal logo na primeira edição do Estação Imagem, em 2010, com uma reportagem sobre a abandonada linha férrea do Sabor.
Jesús Madriñán ganhou o prémio Série de Retratos com o trabalho Dopo Roma, que o levou, durante um ano, a percorrer os bares e outros locais de diversão nocturna da capital italiana com focos, um tripé e uma câmara analógica de grande formato. E fechando os prémios temáticos, o prémio para a melhor reportagem de Desporto foi atribuída a Corrida de Cavalos É Uma Roleta Animada, de Octávio Passos, uma reportagem realizada em Santo Isidoro, Marco de Canaveses, durante as festas populares, que tiveram como ponto alto uma corrida equestre.
Para escolher estes vencedores, o júri teve de apreciar 270 reportagens fotográficas e 110 trabalhos candidatos à Fotografia do Ano, além de 13 candidaturas à bolsa Estação Imagem, concedida este ano a Leonel de Castro para desenvolver o projecto Braços Minhotos no Horizonte Marítimo, que se propõe documentar a extinção de frotas, o abate de barcos ou a morte de estaleiros na costa minhota, terra de navegantes.
Com um intenso programa, que começou já no passado dia 3 e que inclui slideshows, documentários, conferências, um mercado do livro e um importante conjunto de exposições em diversos locais de Viana do Castelo, o festival Estação Imagem acolhe este domingo um visitante particularmente ilustre no mundo do fotojornalismo, Lars Boering, director-geral daquele que é considerado o mais importante concurso de fotojornalismo do mundo, o World Press Photo (WPP), em Amesterdão, que dará uma conferência às 11h30 no Teatro Sá de Miranda e apresentará um slideshow com os premiados deste ano do festival que dirige.