A pedido de Maduro, Supremo voltou a dar poderes ao Parlamento
Sob forte pressão internacional, regime venezuelano recuou no que foi visto como um golpe de Estado que acabava com a separação de poderes. O Presidente foi dizer à televisão que "não sabia de nada".
Num raro momento de cedência, o regime venezuelano decidiu recuar perante a crescente pressão interna e externa. O Supremo Tribunal de Justiça reverteu este sábado a sentença que dissolvia a Assembleia Nacional, onde a oposição detém a maioria. A marcha atrás do oficialismo não travou, porém, o protesto de centenas de pessoas em Caracas.
Após três dias de silêncio, o Presidente venezuelano, Nicolás Maduro, falou sobre a polémica decisão que tinha o objectivo de neutralizar a acção do único órgão de soberania controlado pela oposição. Num discurso televisivo emitido durante a noite de sexta-feira, Maduro sugeriu ter sido apanhado de surpresa pela sentença do Supremo. “Não fui eu que escrevi a sentença”, afirmou o Presidente, após uma reunião extraordinária do Conselho de Segurança da Nação.
Ao seu lado, o vice-Presidente, Tarek el Aissami, apelou directamente ao Supremo Tribunal – cujo painel de juízes é dominado por chavistas – que revesse a decisão para que seja mantida “a estabilidade institucional e o equilíbrio de poderes”.
Poucas horas depois, uma nota publicada no site do Supremo Tribunal anunciava a reversão da cláusula que determinava a retirada de poderes da Assembleia Nacional. Permanecem, no entanto, em vigor algumas disposições, como a que permite ao Governo constituir empresas mistas sem autorização da Assembleia.
O volte-face aconteceu depois de dias em que a pressão sobre o oficialismo, tanto a nível doméstico como internacional, atingiu níveis elevados. Na quarta-feira, o Supremo Tribunal tinha a Assembleia Nacional, com a justificação de que o órgão legislativo está em constante “incumprimento” das ordens judiciais. A oposição denunciou a sentença, que definiu como um “golpe de Estado”. Foram de imediato convocadas marchas de protesto e na sexta-feira foi mesmo bloqueada uma auto-estrada.
À contestação interna junta-se a crescente pressão internacional. A Argentina convocou para este sábado uma reunião de urgência da Mercosul para discutir “a grave situação institucional na Venezuela”. O Chile e o Peru chamaram o seu embaixador em Caracas, como forma de protesto. O secretário-geral da ONU, António Guterres, e o presidente do Parlamento Europeu, Antonio Tajani, também se juntaram ao coro de críticas à decisão.
Até mesmo os próximos de Maduro ficaram revoltados com a dissolução da Assembleia. A procuradora-geral, Luisa Ortega Díaz, considerada uma aliada histórica do movimento bolivariano fundado por Hugo Chávez, manifestou “muita preocupação” com a decisão do Supremo que diz incorrer em “várias violações da ordem constitucional”.
Foi para impedir que uma situação que já era tensa passasse a ser insustentável que Maduro deu indicações para recuar. “Há uma controvérsia que deve resolver-se pela via do diálogo”, declarou. Escreve o El País que Maduro pretende apresentar-se como o mediador de um conflito institucional, com o duplo objectivo de afastar o rótulo de “ditador” que a oposição lhe cola e de apaziguar os organismos internacionais.
Oposição mantém críticas
A oposição não desiste dos protestos e este sábado centenas de pessoas concentraram-se em Caracas. Os deputados organizaram uma sessão especial da Assembleia Nacional ao ar livre numa praça da capital. O presidente da Assembleia, Julio Borges, diz que o discurso de Maduro e do oficialismo serve apenas para "afastar a pressão" do Governo. "Não podemos, de maneira alguma, aceitar convites nos quais quem deu o golpe de Estado aparece a querer a resolver a crise que criou", afirmou.
A relação entre o Executivo e a Assembleia tem-se tornado cada vez mais tensa. As instituições controladas pelos aliados do Governo, como o Supremo Tribunal, têm travado praticamente todas as iniciativas legislativas dos deputados oposicionistas. A grande exigência da oposição, reunida sob a égide da Mesa de Unidade Democrática, é a convocatória de um referendo para destituir Maduro e marcar eleições antecipadas.
Mas o Conselho Nacional Eleitoral suspendeu o processo de recolha de assinaturas para a marcação da consulta, enterrando em definitivo qualquer possibilidade de uma mudança por esta via.
A Venezuela está a atravessar uma crise económica profunda, motivada pela queda dos preços do petróleo – de onde provém quase em exclusivo a totalidade das receitas públicas. A inflação galopante conduz a uma escassez sem precedentes de produtos básicos, como o pão ou os medicamentos, a que acresce uma crise energética que provoca falhas de electricidade quotidianas. Governo e oposição culpam-se mutuamente pelo estado do país. A decisão do Supremo Tribunal é também uma resposta à crise económica, para permitir que o Governo possa criar joint-ventures de exploração de petróleo sem necessidade de aprovação parlamentar, explica a Reuters.