Maduro protege o seu Governo rodeando-se de "incondicionais" do chavismo

O Presidente da Venezuela prepara-se para um ano difícil - com ameaças internas e da oposição - recompondo a sua equipa. Nomeou um possível sucessor e criou uma nova figura de czar da economia.

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Reuters/HANDOUT

Numa tentativa de blindar o seu regime contra as investidas externas e a dissidência interna, o Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, promoveu uma remodelação governamental que contemplou a substituição de 11 ministros e a mudança do vice-presidente. Para o lugar que pertencia ao moderado Aristóbulo Istúriz foi nomeado o governador de Aragua, Tareck El Aissami, antigo ministro do Interior e homem forte do aparelho de segurança, que segundo informou Maduro terá como missão “combater os criminosos e os terroristas da extrema-direita”.

As mudanças de ministros sugerem que o Governo está a preparar uma frente de choque antecipando um novo ano ainda difícil do que o anterior, em que a economia contraiu 5,7% e a crise política atingiu um novo auge, após as manobras da oposição para retirar Nicolás Maduro do poder, através de um referendo para revogar o seu mandato previsto pela Constituição.

Nesse contexto, a substituição do vice-presidente assume particular importância. O Conselho Nacional Eleitoral conseguiu estender as diferentes etapas de convocação do referendo, comprando tempo a Nicolás Maduro – e também ao chavismo. Com exercícios dilatórios junto da autoridade eleitoral e dos tribunais, o regime assegurou a sua continuidade pelo menos até 2019: mesmo que o referendo avance, e resulte na perda de mandato do Presidente, já não haverá lugar a novas eleições, passando o poder para o número dois até à realização das eleições no prazo previsto.

“O ano de 2017 será para a Venezuela o ano da contra-ofensiva vitoriosa, do crescimento e da expansão das forças produtivas do país”, afirmou Nicolás Maduro, durante uma cerimónia de apresentação de um plano bienal, transmitida em directo pelas cadeias nacionais, onde revelou o novo elenco governativo. “Vamos ganhar a batalha pelo direito à paz e vencer os grupos criminosos e terroristas da extrema-direita. Vamos iniciar o processo de libertação da violência criminosa, do tráfico de drogas e dos paramilitares”, acrescentou.

Curiosamente, sobre o novo vice-presidente, Tareck El Aissami, de 42 anos, recaem suspeitas de ligação ao narcotráfico. Advogado de formação, fez toda a sua carreira como quadro do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), tendo sido eleito para a Assembleia Nacional em 2005, passando depois pelo Governo de Hugo Chávez como ministro do Interior e da Justiça, até 2012, quando foi eleito governador do estado de Aragua (no Norte do país), com uma maioria de 55% dos votos.

Tal como ele, os novos responsáveis políticos escolhidos por Maduro pertencem à linha mais ortodoxa do regime socialista bolivariano. “Maduro modificou o panorama político da Venezuela, rodeando-se de incondicionais para enfrentar um ano sombrio”, explicava o El País. O irmão de Hugo Chávez, Adán, foi chamado para a pasta da Cultura. A Educação ficou nas mãos de Elías Jaua, antigo professor universitário que foi ministro dos Negócios Estrangeiros e vice-presidente com Chávez. “Para os postos chave, escolheu as pessoas do seu círculo íntimo. É o madurismo a pôr a couraça para eliminar a dissidência interna”, disse o economista Asdrúbal Oliveros à BBC Mundo.

Ao anunciar a remodelação governamental – que afectou quase todos os ministérios, com excepção da Defesa e Negócios Estrangeiros – o Presidente não justificou a substituição do vice-presidente, Aristóbulo Istúriz, cuja nomeação, a 6 de Janeiro de 2016, foi vista como uma tentativa do regime de manter aberto um canal de comunicação com a oposição (Istúriz foi “despromovido” mas mantém-se no Governo, como ministro das Comunas).

“Nomeei Tareck El Assaimi para o cargo de vice-presidente executivo da república, para que ele possa trazer a este cargo durante os anos de 2017 e 2018 toda a sua juventude, experiência, compromisso e coragem. E disse-lhe: vais trabalhar dia e noite para garantir a segurança do nosso povo. As tuas prioridades serão lutar contra o crime, fazer uma limpeza nas forças de polícia regionais e nacionais, e combater o terrorismo da extrema-direita”, declarou Maduro.

A Constituição venezuelana dá carta branca ao Presidente para nomear e substituir o seu número dois – esta foi já a terceira mudança operada por Nicolás Maduro, desde que foi eleito em 2013. A saída de Istúriz era dada como certa desde o lançamento do processo para o referendo revogatório – aliás, chegou a especular-se que Maduro tencionava nomear a sua mulher, Cilia Flores, como sucessora. Se a ideia lhe passou pela cabeça, acabou por desistir perante o burburinho levantado mal essa hipótese foi levantada. Com uma taxa de reprovação de 80%, o Presidente não pode dar-se ao luxo de inflamar a opinião pública.

Apesar da instabilidade política, a pressão popular nas ruas deve-se sobretudo à profunda crise económica que tornou a vida quotidiana um desafio, com cortes e racionamento do abastecimento eléctrico e de água, escassez de medicamentos e bens essenciais, e uma inflação de 475% (estimativa do Fundo Monetário Internacional).

Não admira, portanto, que a mudança mais drástica tenha ocorrido nas pastas económicas. O Presidente alterou a arquitectura do Governo ao juntar Economia, Indústrias e Comércio e Finanças no mesmo ministério, que entregou ao deputado Ramón Lobo, economista especializado em matérias orçamentais. “Assumirás, com mão firme, a supervisão da nossa economia”, informou o Presidente Nicolás Maduro ao novo ministro, durante a emissão televisiva em que deu conta da remodelação.

Ramon Lobo será, assim, um “czar para a economia”, apressou-se a interpretar a imprensa venezuelana. Para os analistas, a concentração de todas estas áreas num “poderoso e centralizado” ministério sugere que o Presidente vai insistir no controlo total da economia e “redobrar o modelo de desenvolvimento” que tem produzido resultados desastrosos.

No entanto, uma das decisões anunciadas por Maduro representa um corte com o passado de Hugo Chávez: a autonomização da presidência da petrolífera estatal PDVSA do ministério do Petróleo. A gestão da petrolífera, de cuja actividade dependem das receitas, fica nas mãos de Eulógio Del Pino, que cede o seu cargo de ministro a Nelson Martínez, que dirigia a filial da PDVSA nos Estados Unidos, CitGo.

 

 

 

 

 

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