Birmânia
Mulheres que fogem do seu país com um filho no ventre
Na Birmânia, são milhares os membros da minoria étnica rohingya que para fugir à insegurança e pobreza que dominam o seu quotidiano fazem travessias perigosas a pé e de barco para chegar à fronteira com o Bangladesh. Há três meses, a aldeia onde Rehana Begum vivia foi atacada de surpresa. A mulher de 25 anos estava em casa quando começou a ouvir tiros. “Caminhámos durante quatro horas sem comida nem água para chegar à fronteira", contou Rehana à agência Reuters. "Os guardas da fronteira do Bangladesh queriam mandar-nos de volta, mas depois ouvimos tiros do lado da Birmânia e eles libertaram-nos. Disseram-nos: 'fiquem no Bangladesh e salvem as vossas vidas'". Passados poucos meses, Rehana deu à luz uma menina no campo de refugiados em Cox's Bazar, no Bangladesh. Mas não foi a única.
Membros de uma minoria muçulmana num país de maioria budista, os rohingya são uma das etnias mais perseguidas no planeta. Em Outubro do ano passado, as forças armadas da Birmânia iniciaram uma "operação de limpeza" após vários rebeldes rohingya terem atacado militares na cidade de Rakhine. De acordo com as Nações Unidas, foram cometidos assassinatos em massa, violações e aldeias foram incendiadas – tudo fruto de uma campanha extremista que viola os direitos humanos. "Os militares capturaram o meu marido e incendiaram a nossa casa", explicou Ramida Begum, uma mulher de 35 anos, com a filha de 10 dias de vida ao colo. "Desde então, não sei se ele está vivo ou morto".
São várias as mulheres que chegam da Birmânia grávidas e encontram no acampamento improvisado um lar para a sua família, embora provisório. "Ninguém quer deixar a sua casa", disse Sanwara Begum, uma mulher de 20 anos, dentro de uma tenda com a filha de 25 dias nos braços. "Viemos para o Bangladesh apenas para salvar as nossas vidas. A Birmânia é a nossa casa e assim que as coisas estiverem mais calmas vamos voltar". Estas mulheres vivem amontoadas no campo de refugiados e dependem de rações alimentares e do apoio dos outros refugiados. Contudo, apesar de carregarem histórias de terror e morte, trazem algo mais consigo: a esperança trazida por um recém-nascido.
Mas a vida no campo não é fácil, muito menos para seres humanos tão frágeis. Debaixo de um sol escaldante, em abrigos feitos de varas de bambu e folhas de plástico preto, as mães enfrentam um grande desafio em manter os seus recém-nascidos vivos. Muitas vezes, os acampamentos não dispõem de instalações médicas nem de água corrente, sendo os surtos de doenças transmitidas pela água, como a cólera, uma preocupação constante. Muitas mulheres, ao terem perdido familiares do sexo masculino, lutam para conseguir sobreviver e sustentar a família. Alinhadas ao longo da estrada, pedem dinheiro aos carros que passam, nas horas de menos calor. Segundo um funcionário da Federação Internacional da Cruz Vermelha em Bangladesh Azmat Ulla, a maioria dos refugiados não recebe comida suficiente e não tem acesso a serviços de saúde regulares. As clínicas administradas por órgãos não governamentais e pelas Nações Unidas estão sobrelotadas e com dificuldades em tratar os milhares de pacientes que recebem por mês.
"O meu filho não bebe leite materno suficiente, porque também não como alimentos nutritivos suficientes", disse Minara Begum, com 22 anos, mãe de um menino de um mês de idade. "Tenho de comprar leite em pó no mercado local, embora não seja muito bom para ele". Minara Begum é um dos cerca de 75 mil refugiados que conseguiram atravessar os campos com percursos perigosos para chegar ao Bangladesh. Nessa travessia, há quem passe fome durante semanas ou dê tudo aquilo que possui como forma de pagamento aos contrabandistas. Mas, para muitos, essa viagem não chega ao fim: afogam-se no mar ou são mortos pelas forças de segurança da Birmânia durante a travessia.
Os militares da Birmânia assumem a repressão contra a minoria muçulmana como uma operação legal para defender o país e negam as acusações de que são alvo. A Birmânia iniciou várias investigações sobre o alegado abuso, mas segundo responsáveis dos direitos humanos, não existe credibilidade e independência no processo de investigação.