Um ciclo para tirar a música contemporânea do gueto

O XI Síntese – Ciclo de Música Contemporânea dá a conhecer este sábado na Guarda novas obras encomendadas a Sara Carvalho, Vasco Mendonça e Paulo Jorge Ferreira.

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O Síntese – Grupo de Música Contemporânea foi criado em 2006 DR

O XI Síntese – Ciclo de Música Contemporânea da Guarda entra este sábado na sua recta final com um programa inteiramente preenchido com obras em estreia absoluta, encomendadas aos compositores Sara Carvalho (The poem is sleeping), Vasco Mendonça (If it's a party why was there so much blood) e Paulo Jorge Ferreira (Insígnia). O concerto terá lugar às 21h30, no Teatro Municipal da Guarda (TMG), repetindo-se a 1 de Abril no Centro de Cultura Contemporânea de Castelo Branco, e a interpretação cabe ao Síntese – Grupo de Música Contemporânea, agrupamento de geometria variável criado em 2006 que tem procurado dar voz à música do nosso tempo a partir da Beira Interior, mas que procura também horizontes mais alargados a nível nacional e internacional. Na última década, realizou mais de duas dezenas de encomendas de obras a compositores de várias gerações (entre os quais Christopher Bochmann, Pedro Amaral, Sérgio Azevedo, António Chagas Rosa, Eduardo Patriarca, Amílcar Vasques Dias e Jaime Reis), promoveu diversas actividades pedagógicas e gravou um disco – sendo ainda responsável pela organização do ciclo, em parceria com TMG.

Helena Neves, cantora lírica, co-fundadora e presidente da direcção do Síntese, sublinha que um princípio que sempre orientou este projecto “foi o de não fechar a música contemporânea num gueto, em que compositores e intérpretes fazem música para si próprios, excluindo à partida o interesse por chegar a outros públicos”. Essa abordagem não implica porém “fazer cedências à liberdade criativa dos compositores para agradar à assistência”, mas antes ir ao encontro das pessoas. “Gostamos, por exemplo, de fazer concertos em lugares pouco ortodoxos como um lagar ou uma adega.”

Um objectivo central é chegar ao público escolar e “cativá-lo para a grande diversidade sonora da música contemporânea”, uma estratégia patente na abertura do XI Ciclo Síntese no passado dia 2 de Março através de ensaios destinados a turmas do 4º e do 5º anos de escolaridade do Agrupamento da Escola Secundária Afonso de Albuquerque. Para os alunos do ensino artístico especializado e profissional foi criado o I Concurso Nacional de Interpretação Contemporânea, nas palavras de Helena Neves “uma iniciativa inédita com o objectivo de promover o recurso a novos reportórios nestes níveis do ensino artístico”. O concurso contou com 21 participantes de Norte a Sul do país em vários instrumentos: trompete, clarinete, percussão, acordeão, piano e guitarra. “O nível foi bastante elevado, ficando a ideia de que há já algum enquadramento da música contemporânea no trabalho de alguns professores e escolas.”

O programa do 11.º Síntese incluiu também um workshop de introdução às técnicas instrumentais contemporâneas, orientado pelo saxofonista Carlos Canhoto, uma tertúlia acerca da relação entre o ensino artístico e a música contemporânea, com a participação de Rogério Peixinho (violoncelista), Eric Maestri (compositor) e Maxime Springer (pianista), e actuações do Magnet Duo (com os percussionistas Nuno Aroso e Mário Teixeira), da cantora alemã Frauke Aulbert e do ensemble francês L'Imaginaire.

Sobre a escolha dos compositores destinatários das encomendas deste ano, cuja primeira audição se realiza esta noite, Helena Neves explica que foram considerados diferentes aspectos. “Por um lado, temos tentado recuperar para a música contemporânea o conceito de obra concertante para solista e ensemble. Já o fizémos com o piano (Eduardo Patriarca), o violoncelo (Sérgio Azevedo), o saxofone (Pedro Amaral) e a viola d'arco (Anne Victorino d'Almeida). Este ano convidámos o Paulo Jorge Ferreira, acordeonista e compositor, dando destaque ao acordeão, naturalmente, por se tratar do seu instrumento.” Outra preocupação tem sido “estar em sintonia com jovens compositores já com uma carreira significativa”, tendo nesse sentido surgido o nome de Vasco Mendonça, com uma crescente projeção internacional e autor de algumas composições de fôlego, incluindo várias óperas. “Em relação à Sara Carvalho já conhecíamos a sua estética e temos acompanhado a sua carreira”, acrescenta. “Estas encomendas resultam numa diversidade estética dentro da música contemporânea que procuramos evidenciar. Um dos aspectos que nos fascinam é, precisamente, o facto de cada compositor ser um universo estético próprio”, diz. “Talvez o caminho mais fácil fosse a adopção de uma única estética, de um posicionamento concreto no mapa da música contemporânea portuguesa, da filiação, quiçá, numa ‘escola’. Mas não é isso que procuramos, nem tampouco a perda de liberdade que daí adviria.”

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