Fotografia
Ucrânia: eles são os últimos soldados voluntários
O plano original de Christopher Ochichone era documentar os dois lados do actual conflito na Ucrânia, mas o destino fê-lo mudar de ideias. "Com estes tipos senti um clique", disse ao P3 em entrevista. O projecto "Ukraine: Position Santa" tem, por isso, enfoque no quotidiano de um grupo de soldados voluntários ucranianos que conheceu no terreno, em Março de 2016, e que luta lado-a-lado com o 74º batalhão do Exército Ucraniano. "Inicialmente tinha encontrado outro grupo; quando voltei à Ucrânia a segunda vez, descobri que todos tinham morrido." A morte passeia livremente por entre os destroços de Avdiivka, onde decorrem confrontos diariamente à revelia da declaração de cessar-fogo celebrada a 5 de Setembro de 2014 (Protocolo de Minsk). "Eles são sobretudo patriotas. Todos tiveram um papel activo em Maidan e, actualmente, não teriam nada que fazer senão lutar." E é por isso que o fazem sem ser a troco de qualquer remuneração. Santa, Donut, Newt, Marin, Jar e Shaman são nomes que contrastam com "a disciplina e a bravura" destes homens. "Eles sobreviveram sem baixas desde que se formaram como grupo", explica o fotógrafo americano. O que os move, além do patriotismo, é o sentido de camaradagem. "Neste grupo, todos encontraram uma família. São muito próximos e passaram por muita coisa juntos e isso confere um grau de lealdade insuperável. Eles são voluntários e mantêm as suas posições por sentirem uma culpa esmagadora quando se ausentam. Temem o que possa acontecer aos companheiros quando não estão presentes, sentem o complexo do sobrevivente enquanto ausentes." Apesar da sua preserverança, "aquilo que se passa no terreno não faz qualquer sentido". No teatro do conflito, desenrola-se uma guerra de desgaste, sem visão estratégica. "O propósito é vago: destruir o inimigo. Observam, atacam, defendem, fortificam e repetem." O fotógrafo acompanhou, durante duas semanas, o quotidiano do grupo e participou activamente nos processos de defesa e abastecimento. "Quanto há bombardeamentos, muitas vezes não os vemos. O edifício abana e partes dele desaparecem, mas não se vê nada na maior parte do tempo. Uma vez ouvi uma explosão e houve um silêncio profundo. Quando olhámos, a cabeça de um soldado tinha desaparecido. Quando decorrem entre 20 e 30 explosões por dia, isto pode acontecer. Há uma sensação constante de condenação de que não nos conseguimos livrar. Parece que existe uma nuvem negra na atmosfera que te rodeia. No meio da consternação, nos momentos que se seguiram, alguém disse algo ridículo. Toda a gente estava estarrecida a olhar para o corpo e um tipo disse 'as botas dele são novas, que desperdício'." O que interessa a Ochicone, mais do que o aspecto político do projecto, é o lado psicológico desta experiência de guerra, o efeito que o conflito tem sobre as mentes destes soldados. Os episódios de 'burn out' somam-se e "é possível ver nas personalidades de cada um quem irá ter problemas". "Alguns funcionam como máquinas, outros têm uma certa delicadeza que os condena a um futuro sombrio." As conversas sobre traumas de guerra evitam-se. Mesmo quando um companheiro entra em colapso emocional, o assunto é evitado. Apesar de duros e disciplinados, a humanidade destes homens é ressalvada por Ochichone. Interessam-se por culinária, lêem Dostoyevsky, dedicam-se a causas humanitárias nas horas vagas. "O Santa, por exemplo, trabalha com afinco em orfanatos, por onde distribui presentes - é daí que advém a alcunha. Visita as crianças, passa tempo com elas. Um dos soldados cuidava de um gatinho rejeitado com um cuidado e carinho surpreendentes. Eu vi o outro lado destes homens." Esse lado é importante para o fotógrafo. Afinal, a sua própria incursão na fotografia surgiu de um momento emocional. "Tive um amigo que sofreu com um cancro, há poucos anos atrás. Houve uma tarde em que tivemos uma conversa profunda sobre o que fazer com o nosso tempo de vida. Eu dedicava-me a outra coisa completamente diferente, mas disse-lhe com clareza que o que gostaria mesmo de fazer era ser fotojornalista. 'Tens uma câmara?', perguntou. 'Não', respondi. Nos tempos que se seguiram, tratei de me inscrever no International Center of Photography, em Nova Iorque, tratei de comprar uma câmara e de começar a realizar as coisas que considerava pendentes." E assim foi parar à Ucrânia, onde voltará em Abril de 2017 para dar continuidade ao projecto que foi distinguido no concurso Exposure 2017, da Lens Culture.