O contágio do populismo não acabou
A Europa mostra-se hoje muito menos tolerante à recepção dos imigrantes e receia pela segurança das suas fronteiras e das suas sociedades.
O populismo perdeu nas legislativas holandesas, como já antes tinha perdido nas presidenciais austríacas, contrariando uma grande parte dos prognósticos feitos até às vésperas dos dois sufrágios. Mas nem por isso a ameaça desapareceu nem desaparecerá, mesmo que Le Pen seja derrotada em França e a extrema-direita permaneça com um estatuto minoritário na Alemanha. Se a grande mobilização do eleitorado holandês foi decisiva para impedir Wilders de conquistar o primeiro lugar nas urnas, é também um facto que o discurso populista e xenófobo contagiou a mensagem do vencedor das eleições, o primeiro-ministro Mark Rutte, e dos partidos de direita e do centro que deverão constituir a base da futura coligação governativa.
Embora num tom mais moderado e europeísta, os conservadores tradicionais não deixaram de ceder à retórica islamofóbica e anti-imigrantes, tentando assim neutralizar a campanha da extrema-direita de Wilders. É certo que o conseguiram parcialmente – ajudados também pelo conflito diplomático com a Turquia do autoritário Erdogan – mas nem por isso o principal partido e seus congéneres escaparam a um recuo ou a uma estagnação eleitorais. Se houve um vencedor nos Países-Baixos foi o partido da Esquerda Verde, liderado por Jesse Klaver, que terá capturado uma parte significativa dos votos trabalhistas (o PVDA, partido mais duramente penalizado no sufrágio, pagou caro a sua diluição política no anterior bloco governamental liderado pela direita).
Mas a cedência à retórica extremista e nacionalista está longe de ser exclusivamente holandesa. O candidato da direita francesa às presidenciais, François Fillon – embora cada vez mais vulnerável aos efeitos judiciais dos escândalos patéticos em que se envolveu –, ou a própria chanceler Merkel, apesar da sua confessada compaixão pelos refugiados, não escaparam à chantagem populista. A ala mais conservadora dos democratas-cristãos germânicos condicionou fortemente Merkel, num contexto social muito sensível ao fenómeno migratório.
Em geral, a Europa mostra-se hoje muito menos tolerante à recepção dos imigrantes e receia pela segurança das suas fronteiras e das suas sociedades. O medo do terrorismo tende a confundir-se com o medo do outro – do diferente, do muçulmano – e ultrapassa a racionalidade e os factos objectivos, como é possível constatar na Holanda, um país que ficou conhecido pela sua abertura em matéria de costumes e onde vigora um ambiente raro de prosperidade económica e paz social. Talvez por isso mesmo, os holandeses temem que, no cenário de um mundo em convulsão, a sua bolha de progresso e segurança possa ser rompida pelas ameaças externas (percepcionadas também como internas).
Entretanto, a fragmentação da paisagem política holandesa que emergiu das últimas eleições reflecte outra tendência europeia em curso – e que parece prestes a explodir em França, onde a alternativa mais plausível a Le Pen, Emmanuel Macron, questiona as fronteiras entre a esquerda e a direita tradicionais (que ficariam ambas excluídas, pela primeira vez, da segunda volta das presidenciais, um verdadeiro abalo sísmico na história moderna do país).
Se Macron pretende personificar uma revolução política em França, o ecologista Klaver é a cara de uma nova Holanda, onde o eclipse da velha social-democracia, representada pelo PVDA, tem o rosto do nosso bem conhecido Jeroen Dijsselbloem – um nome tão impronunciável como pareceria incompreensível, por parte de um trabalhista, o seu papel de polícia da austeridade no Eurogrupo. De qualquer modo, a derrota de Wilders ou Le Pen não elimina magicamente as raízes do contágio populista introduzido pelo Brexit e por Trump através da Europa e do mundo.