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Negar a universidade e a liberdade

Ao ceder, o director da FCSH negou a sua função e o papel de uma universidade.

Quando uma universidade decide suspender uma conferência, está a fazer algo que é negar a sua própria essência e razão de existir. A universidade deve ser a casa da cultura, da formação humana, do crescimento intelectual, o que só acontece através do debate, de nos ouvirmos uns aos outros, de aprendermos com os outros, de nos reconhecermos nos outros e descobrirmos através dos outros. É para isso que serve uma universidade, e quando a direcção de uma universidade aceita ceder à pressão política dos grupos que vivem no seu seio, o que está a fazer é negar a sua própria razão de ser. Para além, claro, de pôr em causa uma regra estruturante das democracias modernas: o direito à liberdade de expressão.

Estas duas coisas aconteceram esta semana em Portugal com a decisão tomada pelo director da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH), Francisco Caramelo, de suspender uma conferência anunciada para as suas instalações em que o orador era Jaime Nogueira Pinto, intitulada “Populismo ou Democracia: O 'Brexit', Trump e Le Pen”, organizada por um grupo de alunos chamado “Nova Portugalidade”.

O processo desenrolou-se com novos métodos comunicacionais, nas redes sociais, e com métodos tradicionais de luta, com a realização de uma Reunião Geral de Alunos (RGA), enquanto assembleia legitimadora da vontade popular do universo de alunos da FCSH. A nota publicada na página de Facebook da associação de estudantes dá conta da aprovação na RGA de “uma moção que vinculava” aquela direcção associativa “a tudo fazer" para que a conferência “não acontecesse”, numa votação com 24 votos a favor, quatro contra e três abstenções.

A leitura da nota evidencia um radicalismo censor e excludente dos que pensam diferente com base em argumentação risível e confrangedora pela ignorância que revela. A saber. Diz a Associação de Estudantes da FCSH que “emite, abertamente, uma nota de repúdio ao evento e ao cariz ideológico nacionalista e colonialista do núcleo que o promove e que se refere de forma indirecta à descolonização no seu manifesto como ‘trágico equívoco’”. E mais à frente dá um salto conceptual de monta ao afirmar: “Por sermos, efectivamente, uma universidade onde a liberdade de pensamento e o pensamento crítico são promovidos, não compactuamos com eventos apresentados como debates sob a égide de propaganda ideológica dissimulada de cariz inconstitucional”.

Vamos por partes. A Constituição proíbe de facto “organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista” no ponto 4 do Artigo 46.º. Mas daí dar o salto quântico de classificar de “propaganda ideológica dissimulada de cariz inconstitucional” a actividade de um grupo que caracteriza como de “cariz ideológico nacionalista e colonialista”, acrescentando como prova o facto de este grupo se referir “de forma indirecta à descolonização no seu manifesto como ‘trágico equívoco’”, é, no mínimo, fazer uma maionese conceptual sobre o que é o fascismo, o nacionalismo e o colonialismo e acabar a misturar o toucinho com o presunto. Desde quando é que fascismo é nacionalismo ou colonialismo? Não houve colonialismo em regimes liberais? Não houve e não há nacionalismos em democracias liberais? Desde quando ser nacionalista é anticonstitucional? Desde quando considerar a descolonização um “trágico equívoco” é ser colonialista?

Mais: confundir Nogueira Pinto com o fascismo é de uma miopia intelectual que apenas revela que quem o faz ou nunca ouviu e leu Nogueira Pinto ou então não sabe o que é o fascismo. Ele é tão fascista que mantém um programa de rádio semanal em que debate a evolução histórica ao longo do século XX com Ruben de Carvalho, membro do Comité Central do PCP.

Jaime Nogueira Pinto é de direita, é nacionalista, mas tem tanto direito a expor o seu pensamento e a ser ouvido como eu tenho direito a ser de esquerda social-democrata e escrever o que penso. Esse é o valor supremo da democracia. Esse é o valor sagrado da liberdade de expressão. Esse devia ser o papel de uma universidade que se prezasse enquanto espaço de cultura, de debate, de aprendizagem. Ao ceder, o director da FCSH negou a sua função e o papel que uma universidade deve ter numa sociedade democrática diversificada e inclusiva.

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