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O dilema de Costa entre Teodora e Mariana

Ou a rapaziada do Bloco perdeu o juízo, ou está a mover-se numa cultura de intolerância e de sectarismo que tem de ser travada.

Imagine-se que o diabo chegou e António Costa tinha de fazer uma escolha para o Governo entre Mariana Mortágua e Teodora Cardoso. Quem escolheria? A pergunta é, obviamente, um disparate. Mas tem um mérito: o de nos levar a inquirir sobre a georreferenciação ideológica e programática do Governo. Está o PS de António Costa mais perto da ortodoxia da presidente do Conselho de Finanças Públicas (CFP) ou da ortodoxia da deputada do Bloco que considera, num texto no JN, que o elogio ao controlo do défice é um contributo para “a pedagogia da direita”? Então (agora mais sério), porque é que o PS se junta tão alegremente ao Bloco e ao PCP nas críticas à economista e ao Conselho? Porque, como diz a opinião à direita, o Governo está a “deixar cair as máscaras” supostamente totalitárias? Não, a razão é outra e mais simples: os parceiros da geringonça precisam de jogos de sedução como as máquinas precisam de óleo.  

No pedestal da sua longa carreira, Teodora Cardoso deve ter a pele mais do que dura para aguentar raspanetes do primeiro-ministro ou remoques do Presidente da República. De resto, dizer que, “até certo ponto”, houve um milagre na execução do Orçamento de 2016 não é crime do outro mundo. Não andasse o ar tão contaminado pela euforia do Governo e o azedume da oposição e a sua declaração até poderia ser vista como um elogio – afinal, os milagres só estão ao alcance dos santos ou dos mágicos. Mas, como prevalece por estes dias a propaganda que retira Portugal da crise, torna a “geringonça” uma solução que até os estrangeiros enaltecem, e faz-nos regressar aos saudosos anos da confiança ilimitada, o discurso prudente e algo lógico da presidente do CFP tornou-se um insulto.

Mais do que as previsões erradas ou o aviso de que o “milagre” do orçamento se fez com cortes no investimento, o que os partidos do poder abominam é a proximidade ideológica de Teodora a Passos Coelho ou a Assunção Cristas. “Há uma ideologia que tenho: o respeito pela racionalidade económica", disse a economista no Parlamento em Abril, e nessa racionalidade não entram nem a aposta no consumo privado como motor de crescimento, nem a crença de que o défice se manterá nos 2.1% sem reformas estruturais. Será isto um problema? Não, é uma virtude. Haver contraditório ao poder oficial é sempre bom. Ou já se esqueceram do Tribunal Constitucional na anterior legislatura? Desqualificar Teodora Cardoso pondo em causa o merecimento do seu salário, como fez Manuel Tiago do PCP ou, ainda pior, admitir extinguir ou alterar a natureza do CPF, como fez o PS, é por isso um exercício perigoso. Deixa no ar a ideia de que o Governo deixou de ter mão no equilíbrio precário da aliança com o PCP e o BE.

Custa perceber como o PS entrou nesta deriva. Que o primeiro-ministro reagisse ao anúncio do “milagre” lembrando “o monumental falhanço de todas as previsões do CFP ao longo do ano de 2016”, aceita-se. Mas que Eurico Brilhante Dias venha dizer que o Conselho “cria pânico e desconfiança na execução orçamental” para de seguida admitir a “revisão” das suas funções no Parlamento, custa a entender. Quererá Brilhante Dias “rever” a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu, a OCDE ou o FMI que produziram reiteradamente as mesmas suspeitas sobre a execução orçamental? Não percebe Brilhante Dias que, no actual estado de equilíbrio entre o PS e os seus apoiantes, é conveniente que haja órgãos como o Conselho a puxar a corda para a margem da “racionalidade económica”, onde o PS se situa, de modo a poder gerir melhor a pressão dos parceiros de esquerda?

Porque, vamos lá ver se nos entendemos, o mérito maior do Governo foi seguir os alertas de Teodora Cardoso ou da Comissão Europeia e não o contrário. O quase milagre não foi milagre nenhum porque houve uma clara intencionalidade do Governo em fazer tudo para cumprir as metas do défice. Ou se foi milagre foi-o porque António Costa fez de Teodora Cardoso ao congelar o investimento público, ao aumentar as receitas fiscais na gasolina ou ao avançar com um perdão fiscal (o famoso PERES), ao mesmo tempo que fez de Catarina Martins e Jerónimo de Sousa ao devolver salários, ao acabar com a sobretaxa do IRS ou ao avançar com as 35 horas na função pública. É o que Mariana Mortágua designa com mágoa como “as contradições política e ideológicas do próprio Partido Socialista”.

Quando se sabe que o Governo estuda o fim das promoções automáticas na função pública (é impossível voltar a gastar 14.5% do PIB em salários como em 2005), quando se reconhece que o investimento público terá mesmo de aumentar ou que não haverá mais PERES, o que o CFP, as organizações internacionais, a banca ou a academia tiverem a dizer sobre as contas do Estado deve ser escutado sem desprezo nem arrogância. Este coro de alertas não tem de ser necessariamente mau para o Governo. Pelo contrário. Foi o aperto da Comissão Europeia entre a apresentação do Orçamento de 2016 e a entrega do Plano de Estabilidade e Crescimento que levou Centeno e Costa a perceberem que tinham de mudar. E foi essa mudança que lhes granjeou o sucesso que hoje reclamam.

2 – Até se podia perceber que a rapaziada do Bloco na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas de Lisboa arregaçasse as mangas e arreganhasse os dentes para boicotar uma conferência patrocinada pelo Partido Nacionalista Renovador. Os ideais fascizantes, racistas e ofensivos da extrema-direita agressiva devem ser combatidos sem relativismos nem condescendência e é bom que a juventude assuma de alma aberta esse combate. Mas, rapaziada, que mal pode trazer ao mundo uma tal Nova Portugalidade que se limita a apregoar que a nação “é a cabeça de uma civilização mundial” ou que “essa grandeza conquistada a sangue nos dá direito ao orgulho e à liberdade”?

Bem sabemos que o gérmen nacionalista deu origem a integralismos que serviram de semente ao salazarismo. Mas boicotar e ameaçar a realização de uma conferência com um destacado intelectual de direita, Jaime Nogueira Pinto, revela uma desproporcionalidade tão estúpida como perigosa. Ou a rapaziada do Bloco perdeu o juízo, ou está a mover-se numa cultura de intolerância e de sectarismo que tem de ser travada. Que a extrema-esquerda com um pezinho no poder está a ficar arrogante, já o sabíamos; agora que se dedique a censurar e ameaçar a outra extrema, é um indício de que algo de novo anda pelo ar. Preparemo-nos. Não é com demissões resignadas como a da direcção da faculdade que o problema se resolve.

 

 

 

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