Nas minas dos Carris há um filão de memórias por explorar

Rui Barbosa, autor de Minas dos Carris - Histórias mineiras da Serra do Gerês prepara nova edição, revista e aumentada com novo material fotográfico que lhe continua a chegar.

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Aspecto do complexo mineiro dos Carris nos anos 50 DR
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O complexo mineiro num dia de Inverno em Fevereiro de 1955. DR
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Foto de 1943. Final da abertura da estrada mineira que fazia a ligação entre as minas e a Portela de Leonte. DR
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Possivelmente datada de 1943, a fotografia mostra o poço n.º 1 DR
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1943. O início da construção dos edifícios mineiros, neste caso a secretaria, zona de entrega de minério e cantina. DR
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A equipa de futebol das minas, marca da vida social no complexo DR
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José Rodrigues de Sousa, um dos sócios da Sociedade das Minas do Gerês, em 1953 DR
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Trabalhos de preparação de reabertura das Minas dos Carris em 1970 / 1971 DR
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Dois engenheiros, um português e um inglês, em trabalho de pesquisa na montanha DR
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Funcionários nomeados pelo Estado para para inventariar os bens alemães deixados nos Carris (1948) DR
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Trabalhos de preparação de reabertura das Minas dos Carris em 1970 / 1971 DR
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um grupo descansa na Água da Pela a caminho dos Carris pelo Vale do Alto Homem em 42 ou 43, provavelmente DR
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Construção dos edifícios para os geradores de electricidade das minas DR

Nas minas dos Carris, em pleno Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG), o volfrâmio e o molibdénio que durante décadas mobilizaram milhares de trabalhadores ficaram à vista, nas escombreiras do complexo, desafiando o tempo, a 1300 metros de altitude. Quatro décadas depois do fim da actividade industrial, as ruínas vão definhando, sob o olhar curioso dos que ali sobem — e não raro se perdem — e a “vigilância” de um guardião oficioso que prepara uma nova edição da única obra de fôlego sobre este complexo mineiro erguido num dos sítios mais inóspitos do país. Um livro que é também um alerta para a necessidade de se preservar o que resta deste património. 

Há anos que Rui Barbosa explora as memórias destas minas do concelho de Montalegre, já na fronteira com Terras do Bouro, e o filão continua a render-lhe boas surpresas. Depois de ter editado, em 2013, Minas dos Carris — Histórias mineiras da Serra do Gerês, o bracarense prepara uma nova edição, revista e aumentada com novos depoimentos e fotografias que lhe chegam dos sítios mais estranhos. Da Ericeira à Austrália, dos arquivos do Ministério da Economia e das aldeias do Gerês à Argentina, são vários os pontos do globo onde alguém ainda guarda uma parte dessa história iniciada, em termos oficiais, em plena II Guerra, com a primeira de três concessões para extracção do volfrámio.

Em 1989, da primeira vez que subiu àquele ponto da serra, acompanhando, para montante, o Rio Homem, Rui Barbosa achou que nunca mais repetiria a experiência, de tão extenuante. Mas o facto é que, seduzido pelo mistério daquelas ruínas, a 1300 metros de altitude e com o pico da Nevosa, o ponto mais alto do parque nacional, à vista, este optometrista nunca mais deixou de visitar as antigas minas, onde vai pelo menos uma vez por mês, e às quais dedica, desde 2006, o blogue Carris. Este acabou por se revelar uma peça essencial para atrair a atenção de familiares dos fundadores das minas e para o processo de crowdfunding com o qual garantiu os cinco mil euros dispendidos na primeira edição do seu livro.

Os 500 exemplares que imprimiu, no final de 2013, desapareceram nas mãos de outros tantos interessados por esta história pouco conhecida. Nas aldeias em redor ainda há quem se lembre das minas, que mobilizaram muitos habitantes, homens e mulheres da região, mas muitos dos visitantes do Gerês que sobem a vila homónima, até à Portela do Homem, não imaginam que o estradão que dali sobe, acompanhando o rio, serviu até à década de 70 um complexo de extracção de volfrâmio que, na II Guerra, estava ao serviço dos alemães. Já entre os caminheiros e montanheiros mais afoitos o caminho é bem conhecido, pois, para além das minas, percorre alguns dos pontos de maior beleza da serra, com vistas de cortar a respiração.

Acelerada degradação

Este ano, Rui Barbosa deve avançar com uma segunda edição do seu livro, muito provavelmente apoiada pelo município de Montalegre. A obra, para além de fixar a memória de um complexo em rápida degradação, e que já sofreu, nos últimos 40 anos, os efeitos de múltiplas pilhagens, é também uma chamada de atenção para a necessidade da sua preservação por parte do Estado português. O bracarense, profundo conhecedor do território do parque nacional, reconhece que a arqueologia industrial não é função primordial de uma entidade deste tipo, mas critica as suas sucessivas direcções por nunca terem tomado medidas de enquadramento deste património nas rotas de visitação do PNPG, reabilitando, por exemplo, algum dos edifícios do complexo para abrigo de montanha.

Há anos, durante o debate público do Plano de Ordenamento do parque, Barbosa sugeriu que se criasse um trilho interpretativo “que, à semelhança do que é feito, por exemplo, no Parque Nacional dos Picos da Europa — Astúrias, Espanha — possa servir de referencial histórico e memória conservacionista das vidas passadas nas escuras galerias que em tempos garantiram o sustento de muitas famílias”. Mas a sugestão nunca foi tomada em conta e os Carris vão sendo notícia não pela tremenda história que ainda têm para contar, mas pelos incêndios, como o de 2013, que provocou bastantes danos naquela zona da serra, e pelos caminheiros, alguns inexperientes e mal equipados, que se perdem, ou se cansam no caminho, e acabam a pedir ajuda.

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Rui Barbosa estuda há anos as minas dos Carris Adriano Miranda

O principal acesso ao complexo mineiro faz-se pela Portela do Homem e o caminho está em grande parte integrado numa área de protecção integral do PNPG. No ano passado, o parque nacional, que costuma autorizar a realização de visitas nestas zonas mais sensíveis, analisando “a capacidade de carga do local” para o qual era feito o pedido, chegou a suspender aquele acesso às minas, depois de um grupo de seis pessoas ter sido resgatada, no dia 9 de Janeiro. A interdição seria levantada um tempo mais tarde, mas depois de três situações em 2015, 2016 ficou marcado por outro incidente em Agosto, quando um homem, que caminhava sozinho, e que se sentiu indisposto e teve de ser resgatado de helicóptero.   

Se hoje as autoridades são chamadas a resgatar visitantes, a 1 de Março de 1944 o Diário de Notícias dava conta de um imenso nevão que deixara isolados, no alto da serra, 200 trabalhadores. A operação de resgate durou dias mas acabou bem, mas a dado momento as dificuldades eram tantas que se chegou a equacionar usar um avião para lançar mantimentos e agasalhos para os mineiros aprisionados pelo temporal. Onze anos depois, o cenário repetiu-se, embora nessa altura os trabalhadores beneficiassem já de melhores instalações para se abrigarem nos vários edifícios construídos durante a segunda concessão, impulsionada pela Guerra Fria e pelo conflito na Coreia, que revalorizaram o volfrâmio no mercado mundial de matérias-primas.   

Nas fotografias que Rui Barbosa recolheu não há imagens da actividade no interior dos poços. Mas o acervo que o “guardião” das minas dos Carris já recolheu dá-nos uma noção muito vívida do enquadramento geomorfológico deste complexo, das instalações no seu tempo áureo, da acessibilidade difícil, melhorada com a construção do estradão, e de alguns aspectos da vida social, documentados, por exemplo, na equipa de futebol com um equipamento à Sporting, que disputava jogos, lá no alto, com uma assistência de centenas de pessoas. Eram momentos de boa disposição de uma comunidade sujeita a um trabalho duro, mal pago e, para alguns, mortal. Memórias que Rui Barbosa insiste em arrancar ao fundo do tempo, antes que este as apague de vez. 

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