A Fitch já topou o sr. Costa
Como é que a “geringonça” pode algum dia governar o país, se gasta o tempo todo a governar-se a si própria?
As palavras não são minhas, mas da agência de rating Fitch: “Até ao momento, o sr. Costa tem um bom historial a gerir as diferenças entre os partidos, o que assegura estabilidade política. Contudo, o problema é que há pouca capacidade para aplicar reformas estruturais ambiciosas em outras áreas da política económica.” Estas duas frases poderiam ser uma entrada de enciclopédia com o resumo do Portugal 2016-2017. A Fitch topou o senhor Costa: o problema da actual solução de governo não é só aquilo que ela faz, mas sobretudo aquilo que deixa de fazer. Ainda que o Governo conseguisse milagrosamente aguentar-se por mais três anos, sempre com um défice abaixo dos 3% e o diabo ao largo, o país não deixaria de desperdiçar uma legislatura inteira, paralisado pela manifesta impossibilidade de angariar o apoio da extrema-esquerda na adopção de qualquer medida impopular, por mais necessária que ela seja.
O senhor Costa sabe isto perfeitamente, mas nunca o irá admitir, pois deseja entrar na História de picareta na mão, como o homem que conseguiu derrubar o “arco da governação” e abrir o país à “governabilidade” da esquerda. É bem capaz de dar uma fotografia bonita, mas será que essa tão falada “governabilidade” realmente existe? No sentido em que o Governo de António Costa ainda não veio abaixo, com certeza que sim. Contudo, fora da lógica circense do político capaz de pôr muitos pratos a girar – o tal “bom historial a gerir as diferenças entre os partidos” que refere a Fitch –, a única governabilidade que existe é a dos cemitérios.
Há dias o Diário de Notícias publicou o prefácio que António Costa escreveu para o novo livro de André Freire, Para Lá da Geringonça, em que o primeiro-ministro defende: “Durante quatro décadas o nosso sistema político sofreu uma dinâmica assimétrica que favoreceu a governabilidade da direita.” “Romper esta assimetria era essencial para a qualidade da nossa democracia.” Em teoria, podemos admitir a nobreza política dessa estratégia. Da esquerda à direita nunca faltou quem lamentasse que 20% dos votos dos portugueses estivessem sequestrados por partidos de protesto. Só que esse sequestro, na prática, continua: PCP e Bloco mantêm-se como partidos de protesto, ainda que sustentando o Governo. É por isso que, quando Costa afirma que o objectivo da ruptura do arco de governação era “melhorar a governabilidade” e “garantir maior diversidade de soluções”, é preciso declarar que esse objectivo falhou redondamente. A queda do “arco da governação” aproximou, de facto, PCP, Bloco e PEV do Governo; só que, como se vê pela inexistência de reformas estruturais (ou sequer de um esboço delas), a “diversidade de soluções” não aumentou – diminuiu.
Isso não chega a ser surpreendente. Há duas semanas, Pedro Nuno Santos deu uma entrevista ao Jornal Económico que foi muito falada pelo seu título – “O PS nunca mais vai precisar da direita para governar” –, mas que lá dentro continha, logo na primeira resposta, uma revelação abracadabrante sobre o funcionamento da actual solução de governo. Essa revelação foi assumida com grande orgulho, só que é perfeitamente assustadora: “Há dias em que temos 14-15 reuniões num só dia. Em simultâneo há três, quatro reuniões, com diferentes partidos e diferentes ministros.” Pobre homem. Isto é pior do que as alegadas 60 horas da Padaria Portuguesa. Como é que a “geringonça” pode algum dia governar o país, se gasta o tempo todo a governar-se a si própria?