Ministro quer laboratório militar a produzir mais medicamentos para “regular o mercado”
Defesa e Saúde criaram grupo de trabalho para o laboratório poder vir a tratar o plasma. Mas a ideia é a cooperação ir mais longe e colocar a instituição a competir com medicamentos que existem no mercado.
O Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos já produz alguns medicamentos para doenças raras e fármacos que a indústria deixou de ter interesse comercial em fabricar. Os ministérios da Saúde e da Defesa Nacional estão agora a trabalhar nos pormenores técnicos para que esta estrutura possa vir a fraccionar plasma – em resposta ao monopólio sobre este componente do sangue que a farmacêutica Octapharma manteve vários anos. No entanto, as colaborações não devem ficar por aqui, com o ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, a assumir que o laboratório pode ter um papel “mesmo em medicamentos que possam estar em ambiente de mercado”.
As declarações do ministro da Saúde foram feitas aos jornalistas esta sexta-feira no final de uma visita ao Laboratório Militar, em Lisboa, que marcou formalmente o início de uma nova cooperação entre a Saúde e a Defesa para que o Serviço Nacional de Saúde possa ser “o maior comprador” de produtos do laboratório. “Estamos a trabalhar firmemente no robustecimento do laboratório militar. Não é um favor, é uma parceria virtuosa, com vantagem mútua”, acrescentou o ministro da Defesa, Azeredo Lopes.
Em meados de Janeiro, na Assembleia da República, Adalberto Campos Fernandes já tinha anunciado que o laboratório militar poderia ser uma das soluções para o Estado começar a fornecer plasma. Agora, reiterou que há “vontade política muito forte” para que isso aconteça, tendo sido criado um grupo de trabalho que dispõe de 90 dias (mais 30 dias se necessário) para alinhavar os pormenores técnicos para o fraccionamento deste componente do sangue. O grupo é composto por elementos do laboratório militar, do Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST), da Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, da Direcção-Geral da Saúde, e por representantes do Exército.
“Regular o mercado”
Mas a ideia é ir ainda mais longe – à semelhança do que acontece noutros países – e colocar o laboratório a produzir medicamentos em que a indústria ainda tem interesse, para “regular o mercado”. “Esta iniciativa conjunta da Saúde e da Defesa Nacional tem a maior importância para o país. É uma parceria público/público”, explicou o ministro da Saúde, lembrando que há 20 anos que este laboratório produz a metadona utilizada pelo Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD) nos programas de tratamento dos toxicodependentes. O laboratório produz também medicamentos fundamentais mas que são desinteressantes para as farmacêuticas por não gerarem lucro: por exemplo, a histidina para o síndrome de Menkes, ou vaselina líquida esterilizada, utilizada nos grandes queimados.
Para Campos Fernandes, é fundamental que o Estado recupere a produção e o controlo de alguns produtos. “Um Estado frágil é um Estado que depende de oligopólios e de interesses que se instalam e manietam o interesse público”, defendeu o ministro, sem nunca referir directamente o caso da Octapharma. “Quando o Estado se ausenta do mercado, o mercado toma conta do Estado e não é bom nem para os cidadãos nem para os contribuintes que isso aconteça”, justificou o ministro, avançando depois que gostaria de ver o laboratório na produção de mais produtos, “mesmo em medicamentos que possam estar em ambiente de mercado”.
O ministro não quis adiantar quais os fármacos que o laboratório poderia produzir, explicando que estão ainda a identificar essas necessidades. Porém, assumiu que esta produção pode funcionar como “uma regulação activa” que melhore as “condições de mercado”. Campos Fernandes garantiu que as propostas que estão a fazer não são inéditas, e que “muitos países bem mais ricos” contam com as Forças Armadas e mesmo com instituições como a Cruz Vermelha para produzir alguns medicamentos. “Pretendemos com este acordo que tenhamos válvulas de segurança que permitam ser correctivas [do mercado]”, concluiu.
Ainda sobre o plasma, o presidente do IPST, também presente no evento, explicou que já apresentaram um plano operacional para a compra e venda de plasma. "A linha mestra é maximizar a utilização do sangue dos portugueses e evitar o desperdício conforme vinha eventualmente a acontecer", explicou João Paulo Almeida e Sousa. O responsável adiantou que estão a decorrer concursos para o fornecimento de medicamentos derivados do plasma, mas antes de 2018 não deverá haver resultados. Ainda assim, até lá, os hospitais públicos deixam de poder comprar estes produtos directamente a empresas privadas e o processo passa a ser mediado pelo IPST.
O monopólio do plasma
O negócio do plasma ficou sob os holofotes depois de Paulo Lalanda e Castro, ex-administrador da Octapharma, ter sido detido em Dezembro por alegada corrupção no âmbito da Operação O negativo. A investigação do Ministério Público por suspeitas de favorecimento da multinacional já tinha levado, dias antes, à detenção do ex-presidente do INEM e da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, Luís Cunha Ribeiro, que ficou em prisão preventiva. Cunha Ribeiro presidiu ao júri do concurso que deu o monopólio do fornecimento do plasma à Octapharma (lançado em 2000 e adjudicado no ano seguinte).
Segundo os dados da Autoridade Nacional do Medicamento, entre 2009 e 2014, a Octapharma deteve o monopólio do fornecimento de sangue e plasma nos hospitais portugueses. A empresa facturou 200 milhões de euros durante os anos em causa. No último ano as vendas caíram, mas mesmo assim ainda representam quase metade do mercado nacional.