Sociais-democratas alemães nomeiam Schulz como candidato a chanceler

Sem carreira política nacional, o político que construir consensos enquanto presidente do Parlamento Europeu vai tentar arquitectar uma alternativa à chanceler Angela Merkel nas eleições de Setembro.

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Um ex-colaborador define Schulz como um “alemão-mediterrânico”, pelas relações estreitas e amistosas que cria Fabrizio Bensch/REUTERS

Quando jogava como defesa central numa equipa semi-profissional de futebol da sua região natal, perto da cidade de Würselen, a escassos quilómetros da fronteira com a França e a Holanda, o jovem Martin Schulz estaria longe de imaginar que um dia seria designado como o candidato oficial do SPD ao cargo mais poderoso do país. Este domingo, aos 61 anos, os sociais-democratas alemães escolheram-no como o candidato do partido ao cargo de chanceler, em disputa contra Angela Merkel, nas eleições gerais de Setembro.

Schulz, que se tornou conhecido como presidente do Parlamento Europeu, pode até estar condenado a entender-se com Merkel, para reeditar a “grande coligação” CDU/SPD que governou a Alemanha nos últimos anos. Este cenário não lhe é de todo estranho. Em Estrasburgo, promoveu o acordo Partido Popular Europeu (PPE)/Socialistas Europeus, semelhante à “grande coligação” alemã, graças ao qual, aliás, foi eleito presidente. Esse entendimento entre as principais forças pró-UE, que ajudou a forjar com o líder do PPE, o também alemão Manfred Weber (da CDU, o partido de Angela Merkel), pode ser visto como um activo a seu favor.

Esta busca de consensos entre as bancadas do “arco europeísta” para aprovar legislação e evitar o bloqueio dos eurocépticos e da extrema-direita marcaram os seus anos em Bruxelas e Estrasburgo. 

Autarca 11 anos

A carreira política de Schulz foi construída ao nível europeu. Na Alemanha, aderiu ao Partido Social-Democrata (SPD) aos 19 anos, inspirado no seu político de referência, Willy Brandt. Mas de actividade política de relevo tem apenas para contar o ter sido presidente de câmara de Würselen, uma cidade de 38 mil habitantes perto de Aachen, durante 11 anos, depois de ter ficado para trás o futebol, que teve de abandonar por causa de uma lesão na perna. Dedicou-se a uma outra outra paixão: os livros. Após acabar a escola secundária, tornou-se “aprendiz” de livreiro, e abriu depois uma livraria, que manteve durante 12 anos.

Pelo caminho, teve por uma fase menos feliz na vida, atravessando uma crise existencial. Teve problemas com a família e com o álcool, que já assumiu sem rodeios em entrevistas. Decidiu cortar radicalmente com esse momento e virou a página (“Sabia que ou mudava ou estava perdido”, chegou a dizer).

Em 1994, chegou ao Parlamento Europeu onde sobiu todos os degraus: coordenador, líder da delegação do SPD, vice-presidente e líder do grupo socialista europeu. Desde Julho de 2014 presidia à instituição, e deixou o cargo há menos de duas semanas.

È relativamente consensual afirmar que deu visibilidade ao Parlamento. Os adversários reconhecem-no. No reforço do papel do PE, Martin Schulz “esteve bem”, disse ao PÚBLICO o eurodeputado Michael Gahler (CDU). Mas Gahler sublinha que em momentos o seu compatriota não defendeu as decisões da instituição. “Por vezes, ultrapassou o mandato e não representou a maioria” do PE, parecendo mais próximo dos pontos de vista socialistas.

Outros acusam Schulz de ter sido demasiado interventivo, quase omnipresente. A sua camarada de partido, Evelyne Gebhardt, refuta essa crítica. “Não é verdade. Graças a Schulz, a Comissão e o Conselho levaram o Parlamento a sério”. “Chegou-se à frente”, destaca a eurodeputada do SPD.

O social-democrata não hesitou em assumir posições fortes, por vezes até num tom áspero. Foi assim que enfrentou no hemiciclo Silvio Berlusconi, então presidente do Conselho Europeu, numa acesa troca de palavras (e de insultos por parte do italiano) que o lançou para a ribalta.

Como presidente do PE defendeu o reforço do projecto europeu, do euro, do Orçamento comunitário e do papel da instituição. Nos momentos mais duros da crise grega – quando Alexis Tsipras estava isolado no Conselho -, Schulz deu firmemente a mão a Atenas, contra a vontade de muitos que desejavam a saída da Grécia da zona euro.

Um ex-colaborador define Schulz como um “alemão-mediterrânico”, pelas relações estreitas e amistosas que cria com os interlocutores. Não esconde a sua amizade com Portugal - é conhecida a sua admiração pela literatura portuguesa. Resta agora saber se isso lhe servirá na longa campanha para umas eleições gerais às quais se candidata pela primeira vez. Uma sondagem desta semana para a televisão ARD dá-o empatado com Merkel nas preferências dos alemães, com 41%.

No ano passado, manifestou-se abertamente contra as sanções a Portugal e Espanha por causa do défice excessivo. O facto de ser um “europeísta” determinado é um dos pontos fortes que defensores e adversários lhe reconhecem.

É essa frontalidade e relação de proximidade com as pessoas, revelando o mesmo à vontade entre chefes de Estado ou na rua com cidadãos, que lhe podem servir de trunfo na corrida contra Angela Merkel. Mas, ao contrário da chanceler, Martin Schulz tem pouca experiência da vida política interna em Berlim e ainda não se lhe conhece o programa.

Ao candidato do SPD, Michael Gahler contrapõe a experiência da actual chanceler. "Merkel ganhou a confiança das pessoas, e o seu grande activo é a credibilidade", após 11 anos de experiência governativa, diz o democrata-cristão. O eurodeputado da CDU defende ainda que os indicadores na Alemanha “são bons e que vai ser difícil [para Schulz} fazer campanha contra isso”.

Pelo contrário, Evelyne Gebhardt diz que há “cansaço em relação aos que estão” no Governo. "O facto de Schulz não estar enraizado na política nacional vai trazer um novo fôlego” à campanha, diz. A eurodeputada social-democrata garante que a política europeia de Schulz será diferente de Merkel, mais consensual em relação aos países do Sul, diferente em termos de austeridade.

Tudo vai depender dos resultados eleitorais e das coligações e dos acordos que se formarem depois, explica ao PÚBLICO Guntram Wolff, director do Bruegel, um dos principais think tanks de política económica. Se o SPD vencer, uma coligação com os Verdes ou com o Die Linke (esquerda radical) não fará a mesma política que um executivo com a CDU ou com os liberais, que deverão regressar ao Parlamento.

Martin Schulz defendeu que a Alemanha deve aumentar os seus níveis de investimento, recorda. “Será que vai repetir isso agora?”, questiona. O Schulz-candidato será o mesmo que Schulz-presidente do PE? Guntram Wolff não acredita que o alemão introduza mudanças radicais na política económica, se for chanceler. “A ideia ou esperança de que teremos eurobonds, é ingénua”, diz, em alusão ao programa de emissão de dívida conjunta.

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