Um precioso pequeno filme
Homenzinhos prova como Ira Sachs é um novo “mestre” de um cinema americano que evoca a simplicidade formal dos clássicos e a complexidade dramática da nova Hollywood.
Não, Love Is Strange não foi (muito longe disso) um mero “fogacho” numa carreira de realização que até aqui estivera demasiado escondida – Homenzinhos prova como Ira Sachs é um novo “mestre” de um cinema americano que evoca ao mesmo tempo a simplicidade formal dos grandes clássicos e a complexidade dramática da nova Hollywood, capaz de pegar numa história simples dos nossos dias e de a transformar em melodrama emocionante e poderoso sem precisar de recorrer a rodriguinhos mais ou menos convencionais. Depois do olhar sobre a velhice de Love Is Strange, Homenzinhos desce ao olhar de dois miúdos adolescentes que travam rapidamente uma amizade inesperada: Jake, introvertido e sensível, filho de um actor desempregado e de uma médica, e Mike, extrovertido e espertalhão, filho de uma emigrante chilena que gere a loja por baixo da casa do avô de Jake. O avô morre, Jake e os pais mudam-se para a sua casa para poupar dinheiro, e enquanto os dois rapazes se tornam rapidamente amigos os respectivos pais entram em litígio por causa da renda da loja: o avô fazia um desconto na renda porque sabia que a loja não dava dinheiro mas era importante para o bairro, mas os filhos precisam do dinheiro para fazer face ao custo de vida e precisam de aumentar a renda, mesmo que isso implique fechar a loja.
Eis, então, a economia – mas não só a economia - a lançar obstáculos à amizade dos miúdos: o que Sachs faz, com uma elegância e uma economia notáveis, é pôr as suas personagens a evoluir numa cidade que tanto conspira para os juntar como para os afastar. Jake e Mike nunca se teriam encontrado se não fosse a Brooklyn gentrificada que já não é o que era, e a cidade torna-se para os dois amigos num enorme parque de diversões cujas zonas proibidas eles tentam negociar o melhor que podem. Sachs filma Nova Iorque como uma terceira personagem na relação, e na verdade como a chave à volta da qual toda a história gira, dando com uma mão e tirando com outra, enquanto os miúdos começam a descobrir as responsabilidades de se ser adulto e os adultos tentam não descer ao puro despeito juvenil. E, nesse processo, deixa os seus actores à vontade para criarem gente de carne e osso para quem a vida é uma longa série de negociações entre o desejo e a verdade. De certo modo, Homenzinhos diz que “esta cidade” (este país?) “não é para velhos”, antes para aqueles dispostos a ir à luta. E não será, até pela sua dimensão modesta, obra-prima como Love Is Strange o foi – mas é, no seu lado de pequena miniatura, honesta, atenta, preciosa, o melhor cartão de visita que podemos ter para o cinema em 2017. Um óptimo pequeno filme que merece, de muito longe, a atenção que se dá a filmes muito maiores que não adiantam nem atrasam.