Donald Trump, Jorge Jesus e a monitorização das redes sociais
A Internet é mais fixe, mais criativa e mais inovadora se as plataformas que utilizamos todos os dias não forem obrigadas a monitorizar todos os conteúdos que partilhamos, à caça de potenciais violações do direito de autor.
Em Abril de 2005, Jawed Karim disponibilizou o primeiro vídeo de sempre no YouTube, com o título “Me at the zoo” (“Eu no zoo”). Jawed é filmado no zoo de San Diego, em frente ao recinto dos elefantes, a dissertar durante 19 segundos sobre a tromba destes paquidermes. “A coisa fixe acerca destes tipos”, diz Jawed, “é que eles têm trombas mesmo, mesmo, mesmo longas – e isso é fixe”.
Desde então, o YouTube, os blogues e as redes sociais têm vindo a revolucionar a forma como criamos, partilhamos e consumimos conteúdos. Hoje, fazemos uma paródia com Donald Trump, qual Anna do Frozen, a cantar “Do you wanna build a wall?” e partilhamo-la no YouTube. E ayer, ontem, fizemos de Jorge Jesus um bad hombre, dando-lhe um sombrero e um bigode e pondo-o a falar portuñol no Facebook poucos minutchos depois de ele o ter feito em direto.
Em 2001, quatro anos antes de Jawed ter partilhado a sua opinião sobre trombas de elefantes, foi aprovada a última grande reforma do direito de autor na Unão Europeia. Em 2001, devo ter comprado o meu segundo disco dos Silence 4, com o dinheiro da mesada que tinha conseguido juntar. Em 2016, os Silence 4 já não existem, comprar discos já não se usa e o YouTube tem mais de mil milhões de utilizadores. Em 2016, a Comissão Europeia finalmente propôs uma nova reforma do direito de autor. A ideia, que é boa, é adaptar as regras do mercado dos direitos de autor aos novos tempos, criando um “mercado único digital”. As soluções propostas pela Comissão para concretizar esta ideia é que são más.
A pior de todas é a que consta do artigo 13.º da proposta de Diretiva, que está agora nas mãos do Parlamento Europeu e do Conselho. Entre dislates vários, o artigo 13.º vem exigir que plataformas como o YouTube e o Facebook adotem medidas, “tais como o uso de tecnologias efetivas de reconhecimento de conteúdos”, que impeçam que os utilizadores partilhem conteúdos protegidos pelo direito de autor. Trata-se de obrigar este tipo de plataformas a implementar tecnologias que sejam capazes de filtrar os conteúdos que violam o direito de autor dos que não violam. Tipo um passador de posts. Tipo um muro contra bad hombres.
A solução é má por duas razões.
Primeiro, por ser gravemente restritiva da privacidade e da liberdade de expressão dos utilizadores. É para proteger esses direitos fundamentais que a legislação atualmente em vigor – a Diretiva sobre o comércio electrónico – isenta este tipo de plataformas de responsabilidade pelos conteúdos disponibilizados pelos seus utilizadores. Além de consagrar esta isenção, a Diretiva proíbe a sujeição destas plataformas a uma obrigação geral de vigilância dos conteúdos que transmitem ou armazenam. Ou seja, o Facebook não pode ser obrigado a monitorizar de forma proactiva todos os posts dos seus utilizadores à procura de conteúdos ilícitos. Uma restrição de tal ordem aos direitos fundamentais poderia justificar-se para prevenir a difusão de vídeos de incitamento ao terrorismo ou de pornografia infantil. Mas dificilmente se justifica se estivermos a falar de memes ou de videoclips de música.
Em segundo lugar, o artigo 13.º representa uma ameaça séria à inovação na economia digital. O YouTube implementou, de forma voluntária, uma tecnologia de reconhecimento de conteúdos – o Content ID. O problema é que não é fácil, nem barato desenvolver estas tecnologias. A Google, que detém o YouTube, investiu já nove anos e 60 milhões de euros no Content ID. Startups que ambicionem tornar-se o próximo Facebook ou o próximo YouTube dificilmente triunfarão, pois terão de suportar um custo de entrada no mercado exorbitante.
Acresce a isto o facto de a tecnologia não ser infalível. O direito de autor é complexo e os algoritmos têm dificuldade em lidar com essa complexidade. Nove anos e 60 milhões de euros depois, o Content ID – provavelmente, a melhor tecnologia de reconhecimento de conteúdos já desenvolvida – continua a reter alguns vídeos que, apesar de usarem conteúdo alheio, não violam os direitos dos respetivos autores, por se tratarem de paródias (como as de Trump e JJ) ou de críticas a obras preexistentes.
Parodiar Donald Trump e Jorge Jesus é fixe. Tão ou mais fixe do que trombas de elefantes. E a Internet é mais fixe, mais criativa e mais inovadora se as plataformas que utilizamos todos os dias não forem obrigadas a monitorizar todos os conteúdos que partilhamos, à caça de potenciais violações do direito de autor.