Fotografia
Eles têm a vida gravada no rosto
A fotografia de Bruce Gilden é sempre polémica, polarizadora: ou se ama ou se odeia. Mas seja qual for o teu veredicto, Gilden não se poderá importar menos. Ele não é um humanitário, um filantropo, disse ao P3. Acredita que "o mundo não é um lugar bonito". Aquilo que faz — e a forma como faz — traduz a sua visão particular do mundo, explica, via Skype. "Sempre gostei de excluídos, de pessoas que vivem à margem. Eu próprio quase morri por abuso de drogas. Não sou um tipo rico a fotografar freaks por curiosidade. É algo visceral. Eu também sou um marginal."
O fotógrafo da agência Magnum praticou, durante muitos anos, aquilo que se poderia denominar de "fotografia à queima-roupa": o estilo confrontativo, de proximidade e "flashada" na cara, é a sua assinatura. Face, o projecto que apresenta ao P3, resulta de uma nova abordagem. O que faz continua, de certo modo, a poder chamar-se de fotografia de rua, mas o grau de espontaneidade diminuiu. Gilden escolhe o seu alvo, pede permissão para fotografar e dirige-o até obter o resultado que pretende. "Como escolho uma cara? Tem de ser visualmente interessante. Não me interessa se é alguém que tem dinheiro ou se é um gangster. O olhar tem de ser intenso e os detalhes são fundamentais. Para mim, uma boa imagem tem de ter impacto emocional. Gosto de pessoas que têm a vida gravada no rosto. E quanto mais fotografo, melhor compreendo aquilo que procuro. Hoje em dia, posso estar num local com 270 mil pessoas e tirar apenas cinco fotografias."
A estética de Bruce Gilden é muitas vezes alvo de crítica. Há quem considere que o fotógrafo explora a desvantagem alheia para benefício próprio. O fotógrafo responde a essas críticas salientando o papel da comunicação social na imposição de uma norma no que toca o conceito de beleza. A intolerância perante imagens que não reflectem o ideal vigente tornam Face mais polémico do que deveria ser, na verdade, crê. "Para mim, as pessoas que fotografo são bonitas. Podem não ser atraentes, mas são bonitas. A senhora que retratei, que tem apenas um dente, que usa batom... [a fotografia número 7 desta fotogaleria.] A fotografia é dura. Mas quando lha mostrei e lhe perguntei o que pensava, ela respondeu-me: 'Estou bonita!'. As pessoas por vezes não entendem que este trabalho tem um outro lado, o lado humano. Eu percebi que aquela senhora fez um esforço real, mesmo que o batom tenha ficado um pouco esborratado, para ficar bonita. Ela preocupa-se com a sua imagem. Existem sempre dois lados da mesma história. Além disso, eu presto atenção, o que é muito importante. Eu não passo por estas pessoas na rua e ignoro. Eu falo com elas. Eu comecei a fotografar com a ideia de que existia um certo segmento da população que era marginalizado, mas descobri que vai para além disso. Estas pessoas são mais do que marginalizadas, elas são invisíveis."
Há já 25 anos que Gilden pretendia realizar Face, que nasceu da ideia de replicar, em contexto de rua, as antigas fotografias de cadastro — conhecidas por "mugshots". O projecto pode ser visto integralmente no website da Magnum — onde se encontra publicado também o projecto desenvolvido pelo autor no Porto, em 1998, sobre a comunidade cigana portuguesa, intitulado Ciganos. No que toca a projectos futuros, a América de Donald Trump já está debaixo de mira. É possível acompanhar o trabalho do fotógrafo através da sua conta de instagram, que é presentemente seguida por mais de 95 mil pessoas.