Ir à Síria e voltar
"Ao ouvido esquerdo chega o som das crianças a virem da escola. Ao direito os bombardeamentos que fazem estremecer o chão". Tiago Ferreira, 39 anos, sabe bem que "a guerra não é limpa, não tem regras". O repórter de imagem da TVI acompanhou a invasão americana no Afeganistão, esteve quatro vezes em Israel, passou por Timor em 2006, foi à Colombia e viveu na Indonésia uma crise chamada Tsunami ("o cenário mais difícil onde estive"). O P2 conversou com ele, dias depois de ter regressado da Síria, onde passou três semanas — na companhia do jornalista Rui Araújo — a olhar para os olhos das pessoas ("eles falam", resume). "Somos bombardeados, propaganda, manipulação... uma grande trapalhada. Vamos tentar mostrar algo mais verdadeiro, material menos processado, um trabalho de fundo com linguagem de documentário que será apresentado no Repórter TVI", explica Tiago, que juntou 270GB de imagens, captadas com uma câmara de vídeo HD, uma Canon 5D Mark III, uma DJI Osmo e um iPhone 128 GB e uma conta de Instagram. "O plano de trabalho mudava de hora em hora. Trabalhámos completamente controlados pelo regime e à revelia do regime". @mekanikeyes levou "a roupa mais velha" e "as botas mais usadas". Sentiu "muito frio e alguma fome". Carregou dois coletes à prova de bala, mas não os usou. "Vi pessoas que sentem falta da Síria antes da guerra e que continuam a ter educação gratuita, saúde gratuita e energia a valores simbólicos. E na Síria falta tudo. A guerra, a destruição e a normalidade encaixam-se. A escassos metros da linha da frente há pessoas a vender fruta e meias. Há esquinas de lojas tapadas por tecido a tapar a visão dos snipers. Filmei gente incrível com uma bondade que não se vê no Ocidente, pessoas que não têm nada e que dão tudo, pessoas que não te deixavam pagar um corte de cabelo ou um café." A equipa TVI passou todos os dias por "30 checkpoints do exército sírio" e viveu diariamente na esperança de ter electricidade às 18h para carregar baterias. Montaram o quartel-general numa zona militar fechada, num mosteiro em Qara onde os monges e as freiras organizam a distribuição de ajuda humanitária pela região. "Nas redes sociais vês notícias dos bombardeamentos em Aleppo, apontas dicas de uma solução caseira com um esfregão e ris-te do vídeo de um gato a cair pelas escadas. Vês e encaixas tudo da mesma forma. Vês e segues com a tua vida. Nós vamos tentar mostrar imagens com o tempo que estas imagens devem ter."