Esta notícia pode ser mentira. Ou verdade. Isso ainda interessa?

A mistura entre propaganda governamental, teorias da conspiração de sites extremistas e o negócio das notícias falsas escritas por quem só quer aproveitar o ruído na Web está a caminho da Europa, num ano marcado por importantes eleições.

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Matteo Renzi, primeiro-ministro de Itália Stefano Rellandini/Reuters

No dia 29 de Outubro, o primeiro-ministro italiano subiu a um palco na Praça do Povo, em Roma, para defender o "sim" no referendo à reforma constitucional deste domingo em Itália. A praça não estava cheia, e Matteo Renzi falou mais sobre "os riscos do populismo" do que sobre o que está em causa na consulta popular, mas as bandeiras do seu Partido Democrático era bem visíveis e não havia dúvidas de que era Renzi quem estava no palco, e não um qualquer sósia com doença de Parkinson e criador de uma monstruosa rede de pedofilia gerida a partir de uma pizaria em Washington – uma mistura de algumas das teorias da conspiração que surgiram nos últimos meses do outro lado do Atlântico sobre Hillary Clinton.

Ainda assim, nesse mesmo dia, a cadeia de televisão RT, fundada em 2005 pelo Governo russo e actualmente com presença nos quatro cantos do mundo, transmitiu em directo através da sua página no Facebook um vídeo com o título "Protestos contra o primeiro-ministro italiano enchem Roma", gravado na Praça do Povo.

O vídeo ainda está online, e uma pesquisa no Google por "Protests against Italian PM hit Rome RT Facebook" mostra no topo da lista esse título. Mas quando se carrega no link, o pequeno texto que acompanha o vídeo, já na página no Facebook da RT, foi modificado: "Em directo: manifestação pró-Renzi em Roma."

Os comentários, porém, não foram apagados, e as correcções de muitos utilizadores continuam lá: "Por acaso é o contrário, é uma manifestação organizada pelo Partido Democrático de apoio ao primeiro-ministro italiano e à sua reforma constitucional", escreveu o utilizador Paolo Sarno; "RT, ou corrigem o título, ou põem fim a este directo. Não é um protesto, eles são apoiantes [do primeiro-ministro]. Isto é uma desinformação ao estilo americano", acusou o utilizador Adriano Lasalandra.

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Para esclarecer as dúvidas, basta ir ao historial das alterações feitas no post da RT – aquela funcionalidade que permite saber se o texto foi alterado, e se foi, quantas vezes e de que forma. No caso do vídeo da RT, esse registo mostra três títulos: às 14h19 lia-se "Em directo: protestos contra o primeiro-ministro italiano enchem Roma"; às 14h36 lia-se "Em directo: protestos contra o primeiro-ministro italiano enchem Roma (cortesia Ruptly)"; e, finalmente, às 15h59, surge o título que ainda hoje está visível: "Em directo: comício pró-Renzi em Roma (cortesia Ruptly)". Ao todo, o título enganador esteve online uma hora e 40 minutos, numa página com mais de quatro milhões de likes.

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Há duas semanas, num artigo intitulado "A relação entre o Movimento 5 Estrelas e os emissários de Putin", o jornal italiano La Stampa noticiou que dois homens próximos de Vladimir Putin – Sergei Zhelezniak e Andrei Klimov – estão ligados ao partido de Beppe Grillo (uma das principais faces da oposição ao referendo proposto por Matteo Renzi), "incluindo através de alguns sites pró-russos que são muito críticos do primeiro-ministro italiano".

De acordo com o jornalista Jacopo Iacobini, Grillo e a constelação de sites e páginas nas redes sociais que o seu amigo e co-fundador do Movimento 5 Estrelas, Gianroberto Casaleggio, lhe deixou antes de morrer, em Abril deste ano, formam uma frente unida na Web para "lançar ataques sistemáticos contra Renzi, exagerando a mais pequena crítica contra ele, reportando uma situação de caos nacional, ou produzindo autênticas falsidades ao ponto de provocar um protesto diplomático" – depois do vídeo que a RT disse, num primeiro momento, ser de uma manifestação anti-Renzi, Roma fez chegar um protesto a Moscovo por "não ser a primeira intromissão da Rússia no debate político italiano", de acordo com o La Stampa.

Em Outubro, durante a campanha para as eleições presidenciais nos Estados Unidos, o Governo russo foi acusado pelo Departamento de Segurança Interna norte-americano de ter "orquestrado as recentes exposições de e-mails de pessoas e instituições norte-americanas, incluindo organizações políticas". Por outras palavras, os serviços secretos dos EUA acusaram a Rússia de ter entrado nos servidores do Partido Democrata para retirar e expor centenas de e-mails que indicavam um favorecimento a Hillary Clinton em relação ao seu opositor nas eleições primárias, Bernie Sanders.

Mas a Rússia (quer seja através do seu Governo ou de grupos mais ou menos autónomos) está longe de ser a única grande jogadora no tabuleiro dos ataques informáticos e da espionagem – os Estados Unidos e a China que atirem a primeira pedra.

O negócio das "fake news"

O problema agora é outro: às tentativas de manipulação dos resultados de eleições através de sites e canais de televisão com algum reconhecimento público, juntou-se uma multidão de sites, páginas no Facebook e contas no Twitter que debitam um número incalculável de mentiras por segundo, fazendo com que seja cada vez mais difícil separar a verdade da mentira – até porque muitas dessas mentiras têm sempre com um bocadinho de verdade.

Um deles é o TheRightists.com, cujo domínio foi registado no n.º 14 da rua Ha-Ran, em Jerusalém, a apenas três quilómetros da Basílica do Santo Sepulcro. O registo foi feito por Eli Sompo, que tem em seu nome vários outros sites escritos em língua inglesa e com nomes e conteúdo sobre política norte-americana: TheRightists.com, DcPols.com, Politicops.com, entre outros.

A táctica é cada vez mais comum e foi identificada em locais tão inesperados como a cidade de Veles, na Macedónia – atraídos pelo dinheiro da publicidade, sem custos para além do tempo investido a escrever ou a adaptar notícias falsas, cada vez mais pessoas espalham mentiras sobre campanhas e candidatos.

No caso do site TheRightists.com, uma das notícias mais recentes pega numa parte das declarações sobre a morte de Fidel Castro feitas pelo jogador de futebol americano Colin Kaepernick (um activista pelos direitos dos afro-americanos e conhecido por se ajoelhar sempre que toca o hino dos EUA, em sinal de protesto), e leva-as para outra dimensão. Durante uma conferência de imprensa, Kaepernick envolveu-se numa polémica com um jornalista do Miami Herald e foi acusado de defender o regime cubano, mas dias depois tentou rectificar a ideia que as suas palavras tinham transmitido: "Eu disse que apoio o investimento na educação [em Cuba], nunca disse que apoio as coisas opressivas que ele [Castro] fez."

No site TheRightists.com, aquela frase surge logo no início da notícia, mas o título e grande parte do texto são inventados: "Kaepernick ameaça mudar-se para Cuba depois de deixar de jogar 'se o nosso país continuar a ser liderado pelo mesmo ditador'", numa referência a Donald Trump. A notícia recebeu likes de mais de cinco mil utilizadores e foi partilhada num grupo do Facebook com mais de 56 mil membros chamado No Hillary for 2016, onde teve até este fim-de-semana 281 comentários, todos a acusar o jogador de traição e a pedir que ele vá para Cuba o mais rapidamente possível.

Escondida na secção "Sobre nós" do site TheRightists.com, fica o aviso: "Este site é uma mistura de notícias e de sátira. Uma parte das nossas notícias já aconteceu, outra ainda não. Nem todas as nossas notícias são verdadeiras!"

Entre as chamadas "fake news" (notícas falsas) e a propaganda de pontos de vista extremistas, a Europa vai sentir em 2017 o que aconteceu durante a campanha para as presidenciais dos EUA em 2016. Num artigo do site norte-americano Buzzfeed, um adolescente de 16 anos que criou um site com notícias falsas pró-Trump disse que a questão mais importante é a sua conta bancária – escrever mentiras que beneficiem Donald Trump ou que beneficiem Bernie Sanders, para ele, é a mesma coisa, "mas as pessoas na América preferem ler notícias sobre Trump", e por isso, no início do ano desistiu de inundar a Web com notícias "de esquerda" e "pró-Bernie Sanders".

E, no início de Novembro, a agência Reuters avançou que o site norte-americano Breitbart (que publica informação anti-imigração, é um porto de abrigo para supremacistas brancos e foi gerido até há pouco tempo pelo futuro principal conselheiro de Donald Trump na Casa Branca, Steve Bannon) vai expandir as suas operações na Europa no próximo ano, com os olhos postos em França (onde os apoiantes de Marine LePen esperam que as sondagens se enganem tanto como no "Brexit" e nas presidenciais norte-americanas) e na Alemanha (onde o sentimento anti-imigração e anti-refugiados tem crescido no último ano).

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