Partido Democrata em controlo de danos para evitar convenção ruidosa
E-mails revelados pela WikiLeaks levam à demissão da presidente do partido, numa tentativa de acalmar os apoiantes de Bernie Sanders. Mas o candidato continua firme no seu apoio a Clinton, dizendo que o objectivo é impedir que Trump chegue à Casa Branca.
Apenas um dia depois de os republicanos terem esvaziado uma Cleveland coberta de polícias e palco de protestos mais coloridos do que violentos, o Partido Democrata viu-se atolado numa polémica com consequências imprevisíveis para a imagem de união que Hillary Clinton tem de transmitir em Filadélfia, entre hoje e quinta-feira.
Enquanto a convenção do Partido Republicano decorria em Cleveland, na semana passada, Hillary Clinton e os seus gestores de redes sociais deliciavam-se no Twitter e no Facebook com o espectáculo de desunião que estava a desenrolar-se perante os olhos de milhões de telespectadores. Da mini-revolta de alguns delegados anti-Trump à histórica rebelião do senador Ted Cruz em pleno palco, tudo servia para reforçar a mensagem de que “o Partido de Lincoln está a transformar-se no Partido de Trump”, como escreveu a candidata logo no primeiro dia da convenção.
Foi uma boa semana para a campanha de Hillary Clinton, que nem precisou de sujar as mãos com a polémica do plágio no discurso de Melania Trump – um caso que pode ser pouco importante mas que acabou por dominar o ciclo noticioso nos dois primeiros dias da convenção nacional dos republicanos.
Uma convenção nacional, do Partido Democrata ou do Partido Republicano, é o momento em que os seus membros, militantes e simpatizantes se juntam à volta do nomeado e dizem aos eleitores norte-americanos que estão todos juntos e preparados para a luta das eleições gerais, em Novembro.
Mas, na sexta-feira, a organização WikiLeaks mandou cá para fora cerca de 20 mil e-mails, enviados e recebidos por alguns membros da liderança do Partido Democrata, já queimada com as acusações de Bernie Sanders e dos seus apoiantes de que tinha deixado de lado o seu dever de imparcialidade e inclinado o jogo para o lado de Clinton nas eleições primárias.
Nestas coisas da política, muitas vezes aquilo que parece é infinitamente mais importante do que a realidade, ainda para mais no final das eleições primárias mais polarizadas das últimas décadas no Partido Democrata – Clinton teve mais vitórias em estados, mais votos e mais delegados, mas Sanders e os seus apoiantes deram muita luta a uma mulher que é vista pela maioria dos cidadãos norte-americanos como pouco transparente (no mínimo) ou “uma mentirosa nata”, como escreveu em 1996 o colunista do The New York Times William Safire.
Na verdade, os e-mails mais polémicos revelados pela WikiLeaks mostram mais frustração por parte da liderança do Partido Democrata em relação às acusações de que foi alvo pela campanha de Bernie Sanders do que uma gigantesca conspiração para roubar a nomeação ao candidato.
Seja como for, a liderança do Partido Democrata (e a do Partido Republicano) tem como dever dar as mesmas oportunidades a todos os candidatos e não tentar interferir na campanha a favor de um ou de outro. Mas, neste caso, foi isso que aconteceu, embora nenhuma das mais polémicas ideias sugeridas nos e-mails agora revelados ter sido posta em prática.
A mais baixa foi feita pelo director financeiro do partido, Brad Marshall, que sugeriu questionar a fé de Bernie Sanders para atacá-lo nos estados mais religiosos: “Será que ele acredita em Deus. Ele disse de passagem que tem herança judaica. Acho que li que ele é ateu. Isto pode marcar muitos pontos junto do meu pessoal. O meu pessoal da Igreja Baptista no Sul faria uma grande distinção entre um judeu e um ateu.”
Marshall já veio pedir desculpas, escrevendo na sua página no Facebook que lamenta os seus “insensíveis e emotivos” e-mails, acrescentando que o seu conteúdo não expressa nem as suas ideias nem as ideias da presidente do partido, Debbie Wasserman Schultz.
Muito mais do que o director financeiro, é Wasserman Schultz quem está debaixo de fogo de Bernie Sanders e dos seus apoiantes, que pedem a sua demissão desde o início das primárias, por estarem convencidos de que ela, como apoiante confessa de Hillary Clinton, favoreceu a candidata durante o processo. E os e-mails agora revelados só vêm reforçar essa convicção.
É num contexto de controlo de danos que arranca esta segunda-feira a convenção do Partido Democrata, em Filadélfia, num clima de incerteza que não está a motivar tantos tweets divertidos por parte da campanha de Hillary Clinton como na semana passada – a última coisa que a candidata precisa neste momento é de ajudar Donald Trump com uma convenção ainda pior do que a do Partido Republicano, com uma revolta dos delegados de Sanders mais ruidosa do que a dos delegados anti-Trump.
Para tentar acalmar os apoiantes de Bernie Sanders, Debbie Wasserman Schultz foi retirada à última hora da lista de oradores, para evitar uma erupção de apupos ainda mais sonora do que a que foi dirigida ao senador Ted Cruz na convenção do Partido Republicano. Mais do que isso, a pressão foi tão grande que a meio da tarde deste domingo foi anunciado que Wasserman Schultz vai mesmo abandonar a liderança do partido – vai só abrir e fechar a convenção, e no final desaparece de vista. Mesmo antes de Schultz ter falado, o Presidente Barack Obama emitiu um comunicado a agradecer os seus serviços, numa indicação de que os democratas querem atirar rapidamente para trás das costas este problema e voltar a centrar a atenção dos media na convenção.
Bernie Sanders, que firmou um acordo com Hillary Clinton para recomendar o voto nela e contra Donald Trump em troca de concessões no programa do partido (como a exigência da subida do ordenado mínimo para 15 dólares por hora e educação universitária grátis para os filhos de famílias mais pobres), disse apenas que os e-mails provam aquilo que ele sempre disse.
Mas a sua fúria é direccionada apenas a Debbie Wasserman Schultz e não a Hillary Clinton, com quem acordou, segundo as suas palavras, “o programa político mais progressista da História do Partido Democrata”. Mesmo perante a pressão de muitos dos seus apoiantes, Sanders mantém que o mais importante é impedir que o “inapto” Donald Trump chegue à Casa Branca, e passou o fim-de-semana a reafirmar que vai fazer tudo para que Hillary Clinton seja eleita Presidente dos Estados Unidos. Sanders fala esta segunda-feira aos delegados, na convenção, e espera-se que o seu discurso seja decisivo para a união no Partido Democrata.