Casa dos autores, Ordem da Liberdade
Por isso, este acto praticado pelo Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, que também é reconhecido autor, honra o muito que foi feito e responsabiliza-nos perante os perigos que ainda podem vir a pairar sobre a liberdade neste mundo turbulento e incerto.
O Presidente da República decidiu outorgar à Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) as insígnias de membro honorário da Ordem da Liberdade, concretizando o anúncio feito no dia 20 de Maio de 2016, durante as comemorações do 91º aniversário da cooperativa dos autores portugueses.
Este acto que muito honra os mais de 26 mil autores de todas as disciplinas que integram a SPA, tendo sido atribuído no 1º de Dezembro, é fortalecido pelo peso simbólico da data, que celebra os valores da soberania e da independência nacional, sempre tão caros aos autores de todas as áreas.
Esta distinção do Estado Português passa a honrar a SPA no momento em que ainda se encontra patente, na sala-galeria Carlos Paredes, no edifício 2 da cooperativa, a exposição de homenagem ao general Humberto Delgado, com o título “Autor e General da Liberdade”, que valoriza a vertente criativa do herói que a PIDE assassinou no dia 13 de Fevereiro de 1965, junto à fronteira com Portugal, perto de Badajoz
Mas há uma história que liga Delgado à SPA. No dia 9 de Dezembro de 1942, o general que já fizera incursões no domínio da escrita, designadamente a teatral, e que tinha então uma relação de amizade com o capitão Henrique Galvão, decidiu inscrever-se na SPA, instituição a que se manteve ligado até à data da morte. O seu livro de memórias foi publicado pela primeira vez em inglês, na Grã-Bretanha. Nunca o General Sem Medo, a quem também se chamou “relâmpago em céu azul”, pela intensidade súbita e mobilizadora com que surgiu e também acabou por se extinguir, vítima da violência brutal da ditadura, abandonou o sonho de ser escritor, deixando mesmo terminado um romance inédito- “Elsa”- no Brasil, em 1963.
Ao mesmo tempo, a SPA tem patente uma exposição evocativa da vida e da obra de Mário Dionísio, na passagem do centenário do seu nascimento, e irá viabilizar a reedição do seu livro “A Paleta e o Mundo”.
A verdade é que os grandes autores da literatura, das artes visuais e de outras disciplinas foram membros destacados da SPA, Valendo a pena destacar nomes que sirvam como exemplo, encontramos Alves Redol, Aquilino Ribeiro, este com inscrição efectuada na cooperativa dos autores em 1 de Junho de 1948, mas também Ferreira de Castro, Alexandre O’Neill, Eugénio de Andrade, Carlos Paredes ou José Afonso, mas também Manuel da Fonseca, José Cardoso Pires, Luís de Sttau Monteiro, David Mourão-Ferreira, José Saramago, Bernardo Santareno, Urbano Tavares Rodrigues e José Gomes Ferreira, entre tantos outros.
A casa dos autores portugueses, mesmo sob o crivo apertado da Censura, nunca deixou de ser a casa dos grandes criadores do século XX, não lhes prometendo, em tempos obscuros, a liberdade que não lhes podia assegurar, mas lembrando-lhes que unidos num espaço comum e solidário seriam muito mais fortes. Deste modo, vendo alguns dos seus mais importantes criadores passarem pelas prisões do Estado Novo, de Júlio Pomar a José Afonso, a Urbano Tavares Rodrigues e a Carlos Paredes , a SPA sempre se regeu por uma ordem profunda e mobilizadora, a Ordem da Liberdade, o que lhe permitiu estar presente nos grandes combates que fortaleceram a cidadania, mostrando, logo a seguir ao 25 de Abril, que era aqui que os autores livres tinham o seu espaço e a sua referência mobilizadora.
Por isso, este acto praticado pelo Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, que também é reconhecido autor, honra o muito que foi feito e responsabiliza-nos perante os perigos que ainda podem vir a pairar sobre a liberdade neste mundo turbulento e incerto onde tantos muros se erguem para nos dividir e inquietar. Uma grande exposição sobre a Censura e o modo como atingiu os autores e a cultura portuguesa será inaugurada em breve na SPA.
Outorgar a Ordem da Liberdade à casa dos autores portugueses e à causa que os une, fortalece e mobiliza é um acto de cidadania que lembra aos autores e à opinião pública que criar é uma forma superior de exercer e defender a liberdade, porque nos engrandece e exalta em cada dia que passa.