O regresso e o adeus dos A Tribe Called Quest
Nos anos 1990 abriram o hip-hop a novos vocabulários, ritmos e texturas, influenciando alguns dos nomes mais relevantes das gerações vindouras. Que tantos anos depois tenham conseguido criar um álbum capaz de ombrear com os seus momentos mais estimulantes merece ser enaltecido.
Quando em Janeiro deste ano o álbum de estreia dos americanos A Tribe Called Quest, um dos projectos cruciais da cultura hip-hop, foi reeditado, falámos com um dos seus membros — Phife Dawg — evocando essa obra lançada há 25 anos. People’s Instinctive Travel and the Paths of Rhythm, assim se chama esse magnífico disco, foi editado na alvorada dos anos 1990, quando os A Tribe Called Quest, ao lado dos De La Soul, Jungle Brothers, Dream Warriors ou Gang Starr, afirmavam o hip-hop como espaço lúdico de pesquisa, mergulhando nos discos de jazz das décadas de ouro do género e usando o humor como forma de questionamento.
Dois meses depois, em Março, Phife Dawg acabaria por morrer, aos 45 anos. Na altura não se sabia, mas os A Tribe Called Quest tinham-se reunido em estúdio, e estavam a gravar um novo álbum — o seu primeiro desde The Love Movement de 1998. Nas últimas semanas o elemento preponderante da formação, Q-Tip, já disse que será o sexto e último disco do colectivo. Se assim for é uma magnífica despedida. É verdade que não acrescenta nada de substancialmente novo ao que já se reconhecia — nem tal era expectável — mas é um disco inspirado, onde perseguem a matriz que os identifica, atribuindo-lhe uma vibração totalmente actual.
E esse efeito nem se deve à galeria de notáveis que participa na obra. Claro que a presença de Kendrick Lamar, André 3000, Anderson Paak, Elton John, Kanye West, Talib Kweli ou Jack White se faz sentir. Mas o que prevalece é a sonoridade distendida e lânguida, os elementos jazzísticos, fragmentos de funk e de outros palatos sónicos, a guitarra de White, a poesia existencialista das palavras, as vozes perfeitamente integradas no corpo sonoro, sem qualquer histeria, numa teia pacientemente urdida.
É um cliché, mas é mesmo daqueles discos que se ouve do início ao fim, com sentido de unidade, movido por uma cadência e fluidez invejáveis. Por vezes existem alusões à morte de Phife Dawg (Lost someone) e outras palavras parecem até ter antecipado o momento político nos EUA — “All you black folks, you must go / All you Mexicans, you must go / Muslims and gays, boy, we hate your ways”, ouve-se no tema We the people.
Nos anos 1990 foram capazes de abrir o hip-hop a novos vocabulários, timbres, ritmos e texturas, acabando por influenciar alguns dos nomes mais relevantes das gerações vindouras (D’ Angelo, Badu, Lamar, Kanye West). Que tantos anos depois tenham conseguido criar um álbum capaz de ombrear com os seus momentos mais estimulantes, numa obra que exala vitalidade por todos os poros, eis o que merece ser enaltecido.