PSD e Caixa: um manual do que não se deve fazer
O mesmo PSD que em tempos anunciou o desejo de privatizar a Caixa não pode vir agora dizer, em tom crítico, que a CGD “parece orientada para a privatização”
Há algum tempo que temia que isto acontecesse, e aí está: o PSD, em vez de se opor ao PS com argumentos liberais, começa a fazer oposição recorrendo a argumentos de esquerda populista. É mais fácil. É mais barato. E dá milhões. Na salada de frutas política em que está transformado o país, nós já deixámos sequer de saber o que nos cai na taça. Agora temos um governo de esquerda a tomar medidas mais à direita do que a direita alguma vez se atreveu, e uma oposição de direita armada em PCP no ataque à administração da Caixa Geral de Depósitos. Talvez seja melhor começarmos todos a tomar comprimidos para o enjoo ideológico.
O meu primeiro sobressalto aconteceu há três semanas, quando Pedro Passos Coelho apareceu a defender os taxistas na sua luta contra a Uber. No meio de toda a confusão que nesse dia se gerou na Rotunda do Relógio, as pessoas não deram por isso, mas Passos afirmou mesmo que o Estado se calhar estava “a exigir demasiado a uns – a quem impõe um custo e um ónus demasiado elevado – e menos a outros”. Ora, se há coisa que não espero de um líder do PSD é que no conflito entre os táxis e a Uber ele esteja do lado dos taxistas e o governo socialista do lado da Uber. Como se está a ver com o psicodrama do ordenado do presidente da Caixa e da entrega da sua declaração de rendimentos, isto anda tudo trocado.
Já aqui expliquei porque é que não vale a pena andar a embirrar com o salário do homem, e não me vou repetir. Limito-me a recordar o escândalo que foi em 2004 a contratação de Paulo Macedo para director-geral dos Impostos, ao sair do BCP para o fisco com um ordenado mensal de 23 mil euros. Hoje, o bolso de cada um de nós, contribuintes, sabe muito bem que ele mereceu cada tostão que ganhou. É preciso esperar para saber se um gestor sai caro ou barato, e acho absolutamente ridículo ver o PSD agarrado às canelas do governo por causa do estatuto de gestor público e de todas as outras regras burocráticas que entende que o senhor tem de cumprir para que possa receber a grande honra de se tornar presidente de um banco que precisa de cinco mil milhões de euros para sobreviver.
Desculpem: não consigo compreender esta atitude. Todos gostamos de regras claras, transparência, entregas de declarações de rendimentos e sugestões de paridade. Só que esta conversa tem um único propósito: causar embaraços ao governo num tema que se propõe a todas as demagogias. E isso é um duplo erro. É um erro porque, numa altura de urgência para a banca como esta, e na qual o PSD tem grandes responsabilidades, António Domingues precisa de se concentrar no seu trabalho e não no seu estatuto – quando a casa está a arder, não quero saber se o bombeiro tem as botas bem atadas e o capacete a reluzir. E é um segundo erro porque o essencial deste posicionamento não tem nada a ver com os valores do PSD, nem com as suas convicções ideológicas. É mera fumaça partidária, para tramar o PS num assunto que deveria estar fora da gincana política.
O mesmo PSD que em tempos anunciou o desejo de privatizar a Caixa não pode vir agora dizer, em tom crítico, que a CGD “parece orientada para a privatização”. Por amor da santa: é o cúmulo da lata. António Domingues não tem gerido a sua entrada na Caixa de forma particularmente hábil, mas é a primeira vez que os boys estão fora da administração. E isso, vão-me perdoar, vale infinitamente mais do que qualquer striptease patrimonial. Deixem o homem trabalhar em paz.